Colecção Privada
O quadro da semana - "O Cavaleiro, a Morte e o Demo "

Dagoberto Markl diz que esta obra é fundamental em Dürer. Saturno e a Melancolia são os temas principais. O cavaleiro é o rosto do "melancólico", o "pensador".

Dagoberto Markl é vogal da Academia Nacional de Belas Artes e técnico do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa. "O Cavaleiro, a Morte e o Demo" (1513), de Albrecht Dürer, foi a sua escolha porque esta é uma das três gravuras, diz, que "nos dão a conhecer um dos aspectos fundamentais do pintor-gravador" entre 1513 e 1514. Essas três obras são "O Cavaleiro, a Morte e o Demo", "São Jerónimo na cela" (1514) e "Melencolia I" (1514), que "constituem um verdadeiro tríptico alusivo ao conceito neoplatónico de melancolia".

O que é que isto quer dizer? Segundo Markl, "o conceito de Melancolia sofre uma mudança com o Renascimento". Se antes disso era "considerada um pecado", com o Renascimento surge como "uma virtude", porque "passa a ser vista como um instrumento intelectual". "Melancolia" está, pois, "relacionada com o pensamento, com a sabedoria, porque ela é característica do pensador", explica.

Citando o historiador de arte Erwin Panofsky, um dos maiores especialistas em Dürer, Markl explica que para criar estas três obras, o pintor alemão inspirou-se nos escritos de filósofos renascentistas como Henricus de Gand, Cornelius Agrippa von Nettesheim, Marcilio Ficino ou Pico della Mirandola. Nas três gravuras, "Saturno e a Melancolia são dois temas predominantes".

"Uma presença essencial nas três obras é o cão que em 'O Cavaleiro, a Morte e o Demo' corre determinado, acompanhando o seu dono. Este animal é o símbolo de Saturno porquanto é, segundo a tradição, um melancólico", explica. Saturno é o planeta "que preside aos melancólicos, numa perspectiva astrológica, muito importante nesta época".

Panofsky, continua Markl, "cita um autor do século XVI que considera que 'os cães mais sagazes são os que mostram um semblante melancólico'". Além do cão, outros elementos estão relacionados com Saturno e a Melancolia: "A ampulheta, símbolo do Tempo que está associado a Saturno, o Chronos grego, é mostrada pela Morte ao Cavaleiro."

O cavaleiro pode ser aqui interpretado como "Melancholia Rationalis" [Melancolia Racional]. Isto quer dizer que, "alheio aos terrores da época, a Morte e o Diabo, [o cavaleiro] segue o seu caminho para a fortaleza longínqua, o Castelo da Sabedoria", como se pode comprovar pelo "S" que se vê na placa, onde está a data e o monograma de Dürer. A esse "S" "interpretamo-lo como a abreviatura de 'Sapientia'", diz. O cavaleiro é, então, o "melancólico", ou seja, "o pensador".



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