Colecção Privada
O quadro da semana - "A Primavera "

 

O director do Museu Convento de Jesus escolheu este quadro de Botticelli porque o considera "um ícone do Renascimento" - período que foi "na história dos homens, uma 'eterna' Primavera"

À semelhança de "O Nascimento de Vénus", a obra "A Primavera" é uma das mais importantes do legado de Botticelli. "Poucos quadros poderão almejar ao estatuto de 'pintura do século' como este", explica Fernando Baptista Pereira, professor de História de Arte e Museologia na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa e director do Museu Convento de Jesus, em Setúbal.

"No século XX? 'Guernica', certamente. No século XV, do Renascimento em Florença, será este quadro de Botticelli." A escolha do especialista para quadro da semana, "A Primavera", é uma das várias obras de "inspiração mitológica que Botticelli, criador do género, realizou na década de 1480, à sombra do mecenato da poderosa família dos Médicis de Florença", diz.

Mas há uma história por trás deste quadro. Baptista Pereira conta: "Foi pintado para um primo de Lourenço o Magnífico, chamado Lourenço de Pierfrancesco, que se tornaria o protector do pintor, e também discípulo do poeta Policiano e do filósofo Marsílio Ficino - o principal animador da 'Academia Platónica', que se reunia num dos palácios da família, nos arredores da Cidade do Arno."

Segundo o estudo de Edgar Wind, diz o professor, a leitura do quadro deve ser feita da direita para a esquerda: "A primeira tríade de personagens representa a metamorfose da ninfa Clóris na Flora, por acção do vento fecundante da Primavera, Zéfiro (inspirando-se num passo dos 'Fastos', do poeta Ovídio)." Assim se justificam, continua, "as cinco centenas de espécies botânicas representadas, nos diferentes planos da composição, documentando também o interesse científico dos artistas do Renascimento pela natureza."

Do lado oposto, há uma "segunda tríade, constituída pelas 'três graças': Castidade, Beleza e Volúpia. Entre as duas tríades, está Vénus, Deusa do Amor, que comanda a acção que o seu filho, Cupido, energia do Amor, desencadeia, ao disparar, cego, as flechas da Paixão, na direcção da Castidade."

O director do museu de Setúbal explica que na primeira tríade há um "princípio produtor, em que a Paixão fecunda a terra"; na segunda, "um princípio conversor, em que a energia do Amor desencadeia na alma a procura da Verdade."

E, prossegue, "o olhar da Castidade vira-se para Mercúrio, a última figura desta história, mensageiro dos Deuses, líder das Graças". Mercúrio é também o "intérprete dos segredos, que, afastando as nuvens da obscuridade, conduz o intelecto na contemplação da luz escondida da Beleza intelectual".

Este quadro é, por isso, uma "sublime interpretação plástica do ideal do Amor e da Beleza", segundo o Humanismo florentino, e que "dificilmente voltaria a ser alcançada". Daí que "A Primavera" se tenha transformado "no ícone do 'Quattrocento', coração artístico e filosófico de um Renascimento que foi, na história dos homens, uma 'eterna' Primavera."

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