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"A Pianista", de Michael Haneke
Por RAQUEL RIBEIRO

Os filmes exibidos no Festival de Cannes de 2001 foram tão diferentes que, em alguns casos, o adjectivo "opostos" não seria errado. É o caso de tudo o que une e separa a Palma de Ouro do Grande Prémio do Júri - "O Quarto do Filho", de Nanni Moretti, recebeu a primeira; "A Pianista", de Michael Haneke, o segundo.

O filme de Moretti (que já saiu na Série Y) não foi totalmente amado pelos críticos - o italiano, diziam, desviara-se do seu fervor "revolucionário" e do comprometimento político, para filmar um melodrama familiar que apelava à lágrima "fácil". "A Pianista", pelo contrário, suscitava ódio e repulsa, às vezes uma complacência insuportável por aquela mulher - e, às vezes, quase nos esquecemos que Isabelle Huppert é a actriz e Erika, a personagem, tal a forma como se imiscuem uma na outra. Foi Haneke que levou para casa três dos mais importantes prémios do Festival - o Grande Prémio do Júri, e a melhor interpretação feminina e masculina.

É um filme difícil - porque obsessivo, porque despojado. Não é uma lição de moral, não é um olhar crítico, não pretende ser, sequer, uma ridicularização. É frio, impassível, um punhal no peito (talvez o mesmo punhal com que Huppert se mutila no final do filme).

Mas "A Pianista" é a coroação de uma actriz que o próprio Haneke definiu ser a maior da Europa, talvez a maior do mundo. Huppert tem um percurso irrepreensível no cinema. Filmou com os "melhores" - Godard, sobretudo Chabrol, Schroeter, Téchiné, Pialat, Hal Hartley, Wajda, entre outros -, teve os "melhores" papéis. Em "A Pianista", Huppert é uma professora de piano no Conservatório de Viena que, aos 40 anos, vive com a mãe (Annie Girardot), que a vigia e a domina. Para fugir a essa "castração" emocional, Erika (para quem Bach é tudo) refugia-se em incursões regulares a salas de cinema pornográfico e "peep-shows", num exercício mórbido de "voyeurismo" e auto-mutilação sem limites. Capaz de suscitar no espectador as reacções mais imprevisíveis - o riso descontrolado (e é de descontrolo que se trata, no fundo); o pânico frio; a mais terrível das compaixões ou o mais secreto ódio.

Mas há um aluno, Walter Klemmer (Benoît Magimel), disposto a seduzi-la, disposto a amá-la. Isso fará com que Erika "perca o controlo" - numa entrevista ao suplemento Y, na altura da estreia do filme, Huppert explicou que "A Pianista" é "a história de alguém que não quer perder o controlo". Ora, continua, "não há a menor dúvida de que ela já perdeu o controlo de tudo há muito tempo.