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"O Piano", de Jane Campion
Por VASCO T. MENEZES

Século XIX, anos 50. Ada (Holly Hunter) é uma mulher escocesa que não fala desde os seis anos. Ninguém sabe qual a razão para o seu mutismo, nem sequer a própria, mas Ada não se considera silenciosa: tem o seu piano, extensão de um corpo, que fala na sua vez a quem o quiser ouvir. Além disso, ela é da opinião de que não vale a pena prestar muita atenção à maior parte das coisas que as pessoas dizem...

Obrigada a casar com um homem que não conhece, fruto de um matrimónio arranjado pelo pai, Ada abandona o país natal e parte com a filha de nove anos, Flora (Anna Paquin, um raro exemplo de crescimento feliz, ao longo dos anos, à frente das câmaras, aqui na sua estreia cinematográfica), para a longínqua Nova Zelândia. Lá encontra uma terra inóspita, marcada por uma floresta húmida e lamacenta, e o novo marido, Stewart (Sam Neill), um latifundiário cuja frieza emocional não lhe permite estabelecer uma relação afectiva com a mulher.

Torturada pela determinação de Stewart em não transportar o seu amado piano com a restante mobília trazida da Escócia, Ada consegue convencer Baines (Harvey Keitel), outro colono britânico, analfabeto, que rejeitou a cultura branca para se aproximar da tribo "maori" local, a regressar à praia onde o instrumento foi deixado para trás. Fascinado pelo abandono com que Ada extrai melodias das teclas, Baines oferece uma possibilidade de negócio a Stewart: trocar uma das suas terras pelo piano.

A princípio furiosa com a decisão, Ada acaba por aceitar dar aulas de música a Baines. E descobre que afinal o estranho não quer lições de piano, quando este lhe propõe mais um acordo: recuperar o piano através de uma série de visitas à casa do vizinho, nas quais terá de se submeter a várias fantasias...

Depois de Peter Jackson e "Amizade Sem Limites", o cinema neozelandês regressa finalmente à série Y. Com "O Piano" (1993), o filme que, em termos internacionais, consagrou em definitivo Jane Campion, ao coleccionar uma série de prémios. Para além de três Óscares - melhor argumento, melhor actriz (Hunter) e melhor actriz secundária (Paquin, que, aos onze anos, se tornou a segunda mais jovem galardoada de sempre na cerimónia) -, conquistou ainda a Palma de Ouro em Cannes, fazendo da realizadora a primeira mulher a conseguir tal feito.

A partir da matriz clássica do romanesco gótico, Campion constrói uma singular história de amor que é também uma reflexão sobre os temas - o poder do desejo, as relações familiares conturbadas - dominantes na sua obra. À parte toda a sua delicada beleza, destaque ainda para as interpretações soberbas do quarteto de actores central.