"Querido
Diário"
Quarta-feira, 28 de Abril
de 2004
Por VASCO T. MENEZES
Um filme em três episódios. "Na Vespa":
no Verão, o cineasta italiano Nanni Moretti percorre
as ruas da cidade de Roma, guiando a sua "vespa".
Ao longo do passeio, partilha ideias, revela gostos e antipatias,
dá a conhecer bairros e prédios. Pelo meio,
vai ao cinema, conhece Jennifer Beals, a estrela de "Flashdance",
e o marido, o realizador Alexandre Rockwell, e visita o
local onde Pier Paolo Pasolini foi assassinado.
"Ilhas": à procura
de inspiração para um novo filme, Moretti
viaja até à ilha de Lipari, onde vive Gerardo,
um amigo que já não vê há mais
de uma década e se dedica a estudar o "Ulisses"
de James Joyce. Mas a calma e tranquilidade que tanto um
como o outro ambicionam foge-lhes a cada passo, à
medida que deambulam pelas outras ilhas - de Salina a Panarea,
passando por Stromboli - a norte da Sicília. Quando
parecem ter encontrado a paz, na mais selvagem Alicudi,
o recente fascínio de Gerardo pela TV deita tudo
a perder.
"Médicos": Moretti
narra a sua experiência com a doença e recorda
como, durante um ano, viveu atormentado por uma comichão
intensa, primeiro nos braços e pernas, depois alastrada
para o resto do corpo. Por entre um périplo de consultas,
é observado por um sem-número de médicos,
entre dermatologistas, alergologistas, reflexólogos
e naturalistas. Todos com teorias diferentes sobre o que
o aflige e os tratamentos mais adequados. Até que
um dia, através de um amigo imunólogo, descobre
que sofre do linfoma de Hodgkin, um tumor no sistema linfático,
do qual acaba por se curar.
Depois de se ter estreado na série
Y com "O Quarto do Filho" (2001), regressa à
colecção de DVD do PÚBLICO, com "Querido
Diário" (1994), Nanni Moretti. Que é
como quem diz, um dos mais conceituados realizadores italianos
da actualidade, responsável por uma obra que é
das mais pessoais e facilmente identificáveis do
cinema moderno.
E se o primeiro título apresentado
- um melodrama numa linha mais "clássica"
e "narrativa" - marcou uma ruptura no cinema de
Moretti, o segundo inscreve-se claramente no formato que
lhe tem sido habitual. Ou seja, estamos perante um "esboço"
autobiográfico e semi-improvisado, com o próprio
realizador colocado no centro, expondo as suas convicções
e ansiedades, ao sabor dos momentos.
Mescla mordaz de ficção
e documentário, "Querido Diário"
conquistou o Prémio de Melhor Realização
no Festival de Cannes. Evoluindo como um diário filmado,
livre e sedutor, é um dos melhores (e mais deliciosos)
exemplos das reflexões sociopolíticas "morettianas".