"Inferno",
na Série Y
Quarta-feira, 21 de Abril
de 2004
Por VASCO T. MENEZES
Nunes, Ruço, Xana, Toni, Luke, Carraça, Mané,
Zeca, Lito e Hugo. Nos anos setenta, estes dez homens fizeram
parte dos "Rangers" e combateram lado a lado em
Moçambique, durante a guerra do Ultramar.
Mais de duas décadas depois,
os laços de companheirismo e amizade que aí
se forjaram permanecem, com maior ou menor dificuldade,
inalterados. Todos os anos, os ex-comandos reúnem-se
para os renovar, num jantar de confraternização
que decorre no "14 de Agosto", o restaurante de
Nunes (Nicolau Breyner), na fronteira alentejana entre Portugal
e Espanha.
Ao longo de uma noite regada a muito
álcool (e com uns quantos charros à mistura),
vão-se tornando evidentes as distâncias que
separam os amigos, tanto em termos de personalidade, como
no que diz respeito ao rumo que as vidas tomaram. Enquanto
uns são orgulhosos pais de família (alguns
até com netos), outros continuam solteiros inveterados;
uns gostam de provocar, outros preferem conciliar; e se
há os que conhecem o sucesso, também há
os que nunca conseguiram sair da cepa torta - por exemplo,
Ruço (Júlio César), que já foi
toxicodependente e acaba de passar três anos na prisão.
Mas, apesar das diferenças, algo
os une: o passado comum nas selvas africanas, feito de horror
e violência. Marcas que poderão ser mais visíveis
nalguns casos - Xana (Joaquim de Almeida) perdeu as pernas
em África e ficou "metade lá, metade
cá" -, mas que não deixam de estar presentes
em todos. E essas memórias vão regressar à
tona, com consequências trágicas, despoletadas
pela presença de uma prostituta, Nina (Cristina Câmara),
e a ameaça de um grupo de "gangsters" espanhóis"...
Com "Inferno" (1999), a série
Y prossegue as estreias de filmes portugueses em DVD e a
apresentação da obra de um dos mais interessantes
cineastas nacionais do pós-25 de Abril: Joaquim Leitão.
Depois da trilogia com Joaquim de Almeida no papel principal
- "Uma Vida Normal" (1994), "Adão
e Eva" (1995) e "Tentação"
(1997) - e da primeira longa-metragem, "Duma Vez por
Todas" (1986), é agora a vez do título
mais recente do realizador.
Pese embora o orçamento
avantajado e a cuidada estratégia de promoção,
o filme não conheceu o êxito comercial dos
seus dois antecessores. Mas os recordes de bilheteira pouco
importam, pois estamos perante um dos melhores exemplos
do cinema "narrativo" do autor, colocando em cena
uma complexa teia de relações entre personagens
credíveis e humanas, servidas por um naipe admirável
de actores. Num elenco sonante, destaque ainda para Rogério
Samora, Ana Bustorff, José Wallenstein, Cândido
Ferreira, Sancho Gracia e o jornalista Carlos Narciso.
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