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"Fomos Soldados", no coração do Vietname
Quinta-feira, 25 de Março de 2004
Por SARA GOMES


"Coronel, eu não sei como contar esta história...", desabafa o correspondente de guerra Joseph Galloway (Barry Pepper) para o tenente-coronel Harold Moore (também conhecido por Hal Moore e interpretado por Mel Gibson), no final do primeiro grande confronto entre as forças americanas e as vietnamitas. A cena, uma das últimas do filme "Fomos Soldados" (2002), retrata a angústia e a confusão de quem viveu uma guerra e descobre que não há palavras para a descrever.

E foi com esse sentimento que Randall Wallace partiu para a realização de "Fomos Soldados", adaptado do livro "We Were Soldiers Once... And Young", escrito pelos verdadeiros Galloway e Hal Moore, que prometeram contar a história dos militares que lutaram e morreram na Zona de Pouso Raio-X do Vale de Ia Drang, uma região no Vietname também conhecida como "Vale da Morte".

O filme, que começa por evocar o massacre dos soldados do exército francês quando chegaram ao "Vale da Morte" em Junho de 1954, leva-nos depois para os campos de treino do 1º Batalhão da 7ª Cavalaria das tropas americanas, comandado pelo lendário tenente-coronel Hal Moore. Ao todo, 400 soldados, entre jovens inexperientes e veteranos de guerra, que aterram no Vietname no dia 14 de Novembro de 1965 e são cercados por 2000 vietnamitas, travando uma das batalhas mais duras e sangrentas da história.

Preparados para o pior, os soldados americanos partilhavam o desejo comum de "proteger o país" e "assegurar a liberdade". Mas Moore só lhes prometeu uma coisa: "Quando chegarmos ao campo de combate, serei o primeiro a entrar e o último a sair. Não deixarei ninguém para trás... vivo ou morto. Voltaremos para casa juntos."

Uma história com muitos heróis

Há muito que Hollywood revisita a Guerra do Vietname, como que a querer exorcizar os fantasmas que invadiram a vida da grande maioria das famílias americanas. Contudo, a "visão hollywoodiana" do conflito não agrada a todos: os autores do livro consideram que a maioria dos filmes apresenta "uma perspectiva politicamente oportuna e distorcida". "Muitos dos nossos compatriotas chegaram a odiar aquela guerra, mas aqueles que mais a odiaram (...) não foram sensíveis o bastante para diferenciar a guerra dos soldados que receberam ordens para lutar nela", pode-se ler no prólogo do livro assinado por Moore e Galloway.

Por esse motivo, quando Randall Wallace se mostrou interessado em adaptar para o cinema o livro escrito pelo tenente e pelo jornalista, estes mostraram algumas reticências. "Era importante que o filme fosse fiel à sensibilidade do livro, pois seria o seu reflexo", diz Moore, que só teve a certeza de que Wallace era "a pessoa certa" para o projecto no dia em que lhe perguntou se acreditava em heróis e o realizador lhe respondeu que sim.

Durante todo o processo de filmagens de "Fomos Soldados", Wallace contou sempre com o apoio de Moore e Galloway, que se dirigiram várias vezes ao "plateau". Mas não foram os únicos: vários soldados que faziam parte do regimento comandado por Moore e familiares de alguns dos militares que morreram na guerra também fizeram questão de partilhar as suas histórias.

O sofrimento das mulheres dos soldados que recebiam a noticia da morte do seu marido por telegrama - era um taxista que trazia a "carta da morte" - é, aliás, um dos momentos de maior emoção no filme. Wallace consegue captar no rosto de cada actriz o mesmo desejo silencioso que cada uma daquelas mulheres teria de que o táxi não parasse à sua porta de casa. Madeleine Stowe tem uma interpretação comovente no papel de Julie Moore, a esposa do tenente Moore, que a dado momento se oferece para ser ela a distribuir as cartas e também alguma solidariedade.

Neste filme, os heróis não são só os soldados americanos que lutaram e morreram no Vietname ou as suas famílias. Os militares vietnamitas também são filmados pela câmara de Wallace, que quis mostrar que numa guerra todos sofrem. As imagens dos dois dirigentes do exército - o americano e o vietnamita - a rezar pelos "seus soldados" é disso emblemática.

Sem moralizar nem atribuir culpas, "Fomos Soldados" oferece um novo retrato da Guerra do Vietname, em que não há bons nem maus. Apenas pessoas que lutam pelo que acreditam. E isso era fundamental para o tenente-coronel Moore: "Os vietnamitas foram inimigos dignos. Nós que os matámos, rezamos para que os seus restos mortais tenham sido retirados daquele lugar selvagem onde os deixámos e que tenham sido levados para casa, para serem enterrados de forma digna e honrosa. Esta é a nossa história... e a deles também."