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Mais 25 Sessões
Quinta-feira, 11 de Março de 2004
Por VASCO T. MENEZES

A série Y vai continuar. A colecção de DVD do PÚBLICO poderá já não libertar o perfume da novidade - afinal, entra agora na quarta encarnação - mas nem por isso sabe a requentado. Feito difícil, ainda para mais se tivermos em conta o que fica para trás: Woody Allen, David Cronenberg, Robert Altman, Nanni Moretti, Michael Cimino, Emir Kusturica, Spike Lee, Pedro Almodóvar, David Lynch, Lars von Trier, Quentin Tarantino, David Mamet, Wim Wenders, Wes Craven, Joel e Ethan Coen...

A lista é, de facto, impressionante. Qual o segredo, então, para manter o nível médio - bastante elevado - da série e respeitar os pergaminhos de um passado já distinto, refrescando-a ao mesmo tempo com uma injecção de sangue novo? A resposta está na Parte IV: pegar num grupo de consagrados a quem apetece sempre voltar - Allen, Almodóvar, Moretti - e juntar-lhes uma galeria de notáveis para acolher de braços abertos, casos de Roman Polanski, Todd Haynes, Michael Haneke, Bernardo Bertolucci ou Jane Campion.

Resultado: uma lista aliciante de 25 títulos que conquistaram um sem-número de prémios e distinções. Conclusão: quem estiver à procura de aplicar a expressão "o que é demais enjoa" terá de procurar noutro lado...

Carrey super-estrela

O tiro de partida é dado já na próxima semana, no dia 25, com "A Máscara" (1994). Um dos maiores campeões de bilheteira dos anos 90 e veículo perfeito para o delírio "cartoonesco" de Jim Carrey, "A Máscara" catapultou o canadiano para o superestrelato. E se mais méritos não tivesse esta adaptação de uma célebre BD, o filme de Chuck Russell teria sempre direito a destaque por ter revelado Cameron Diaz... E já que falamos em vedetas de Hollywood, lembremos Sylvester Stallone, que poderá ser visto na pele do seu segundo alter-ego mais conhecido (o primeiro continua a ser o incansável Rocky...), em "Rambo - A Fúria do Herói" (1982). Momento decisivo no "action cinema" da década de 80, entretanto chamuscado pelas sequelas ridículas, poderá ser uma boa ocasião para lhe prestar a devida justiça.

Mas não é só de cinema "popular" que é feita a nova colecção. O chamado "cinema de autor" também está presente e em força, com um conjunto de obras vincadamente pessoais, à margem de quaisquer condicionalismos de indústria. Que tal "As Asas do Desejo" (1987), filme de culto vencedor do Prémio de Melhor Realização no Festival de Cannes e a última vez em que Wim Wenders terá sido um cineasta indispensável? Fábula meditativa e poética - um anjo apaixona-se por uma trapezista de circo e decide renunciar à imortalidade -, carta de amor a Berlim, marcou o regresso do "globetrotter" alemão ao país natal, juntando um elenco ecléctico: Bruno Ganz, Solveig Dommartin, Curt Bois e Peter Falk, sem esquecer a inestimável contribuição de Nick Cave e dos seus Bad Seeds.

Alguns regressos...

E se Wenders já pode ser considerado um "habitué", o mesmo valerá para Pedro Almodóvar, Nanni Moretti e Lars von Trier, que também regressam. O espanhol com o último exemplo da primeira fase da carreira (pré-melodramas "maduros"), "Kika" (1993), comédia tresloucada e selvagem que satiriza o fascínio mediático pela violência e tem no centro uma extraordinária Verónica Forqué (Goya para a Melhor Actriz); o italiano com outro Prémio de Melhor Realização em Cannes, o irresistível "Querido Diário" (1994), em que expõe, na primeira pessoa, as ansiedades e convicções, segundo a habitual fórmula narcisismo + Itália + política = reflexões humorísticas e mordazes; o dinamarquês com o capítulo inicial da "trilogia dos corações de ouro", "Ondas de Paixão" (1996), melodrama pungente - Prémio Especial do Júri em Cannes - e obra de transição entre a estilização dos filmes iniciais sobre a Europa e a "castidade" do movimento Dogma-95 de que foi um dos "pais".

Von Trier, já se sabe, tem reputação de sádico, mas Michael Haneke não lhe fica atrás. A comprová-lo estará um dos melhores exemplos do cinema "clínico" e afiado como um bisturi do austríaco: "A Pianista" (2001), que em Cannes arrebatou o Grande Prémio do Júri, o de Melhor Actor (Benoît Magimel) e de Melhor Actriz (a reconhecer uma interpretação superlativa, "no fio da navalha", de Isabelle Huppert). A crispação do risco também poderá ser encontrada em "Velvet Goldmine" (1998), a fulgurante homenagem, "camp" e nostálgica", ao "glam rock" e à época de todas as flutuações de identidade - os anos 70 -, assinada por um nome forte do cinema independente americano, Todd Haynes.

... algumas estreias...

São estreias na colecção, tal como as de outros dois autores, já verdadeiras instituições: Roman Polanski e Bernardo Bertolucci. Do primeiro, responsável por clássicos do terror como "Repulsa" ou "A Semente do Diabo", vamos poder ver o muito aguardado regresso ao fantástico: "A Nona Porta" (1999), "thriller" sobrenatural (em parte rodado em Sintra), com Johnny Depp em busca de um livro raro e às voltas com o Diabo em pessoa. Do segundo, será apresentado "O Pequeno Buda" (1993), fábula sobre um jovem americano que talvez seja a reencarnação de um venerado professor budista. Keanu Reeves, Bridget Fonda e o cantor Chris Isaak protagonizam esta aventura espiritual.

...e cinema português

Fora dos EUA e da Europa, espaço ainda para viajar até territórios mais longínquos. Com "O Piano" (1993), Jane Campion leva-nos até às florestas da Nova Zelândia para mais um retrato de masoquismo no feminino, Palma de Ouro em Cannes. Holly Hunter foi também aí distinguida, feito que repetiu depois com o Óscar para a Melhor Actriz, um dos três que o filme arrecadou (Melhor Argumento e Melhor Actriz Secundária, Anna Paquin). Bastante mais festivo é "Casamento Debaixo de Chuva" (2001), Leão de Ouro no Festival de Veneza. Retrato de uma Índia contemporânea e ocidentalizada por uma realizadora, Mira Nair, radicada nos EUA, exportou com sucesso o exotismo de Bollywood. Também por terras norte-americanos já se movimenta Alejandro González Iñárritu, realizador de "Amor Cão" (2000), Grande Prémio da Semana da Crítica em Cannes. Uma boa oportunidade para comprovar que, antes de "21 Gramas", já o mexicano experimentava os quebra-cabeças a lidar com o amor e a perda.

Por fim, realce para o cinema português. Estão de volta Joaquim Leitão - "Inferno" (1999) - e Luís Filipe Rocha - "Amor e Dedinhos de Pé" (1991) -, mas há também estreias a assinalar: João Canijo, com "Sapatos Pretos" (1998), e Bruno de Almeida, com uma co-produção entre Portugal e EUA, "Em Fuga" (1999), comédia urbana sob a sombra de Scorsese.