"Duma Vez por Todas", de Joaquim Leitão, na Série Y
Por Vasco T. Meneses
Luís Faria (o músico Pedro Ayres Magalhães, baixista dos extintos Heróis do Mar e actualmente guitarrista e mentor dos Madredeus) é um jovem lisboeta. Apesar de lhe dizerem que não tem "cara de quem trabalha", a verdade é que o faz. De noite, enquanto tantos outros dormem, como recepcionista de um hotel da capital.
O emprego não é dos mais excitantes (Luís até esteve para ser médico, mas depois de três anos na faculdade percebeu que apesar de não saber o que queria fazer, aquilo não era de certeza), em consonância com uma vida de insatisfação: os dias são para dormir e nas noites de folga as alternativas à solidão resumem-se a saídas desinteressadas com colegas de trabalho ou mulheres que pouco ou nada lhe dizem. A relação mais significativa é mesmo com a máquina de um salão de jogos: há um recorde a bater de forma obsessiva e só aí, após cada falhanço, a emoção aflora num rosto de permanente desafectação.
Mas algo parece mudar quando Luís, para fintar o aborrecimento, começa a espiar (através de binóculos) a vizinha da frente. Uma mulher bela e misteriosa (a modelo Vicky, tragicamente desaparecida antes de o filme estar terminado, presença fascinante num papel que era para ter sido da cantora Annie Lennox) ou, como alguém diz, "puta sofisticada". Entre os clientes está um piloto de aviões brasileiro (Filipe Ferrer), envolvido em negócios de contornos obscuros mas, por certo, pouco recomendáveis. A segui-lo tem dois "gangsters", interessados na mercadoria que trafica e à espera do melhor momento para o interceptar.
É neste mundo secreto que Luís, cada vez mais atraído ao encontro da imagem que se insinua para lá da janela em frente, vai mergulhar. Um jogo, perigoso e mortal, do qual não conhece as regras...
Depois de já terem sido apresentados, pela primeira vez em DVD, "Tentação" (1997), "Adão e Eva" (1995) e "Uma Vida Normal" (1994), Joaquim Leitão está de volta à série Y. Um regresso ao passado, com "Duma Vez por Todas" (1986), a primeira longa-metragem do realizador português, uma história de "suspense" policial "à portuguesa" com evidentes resquícios de um certo modelo de cinema negro americano e um elenco singular (por onde passam ainda nomes como os de Vítor Norte ou Henrique Viana).
Filme menos "visível" do que a trilogia (em particular, os dois últimos tomos) protagonizada por Joaquim de Almeida, importa ainda mais (re)descobri-lo. Até porque neste "opus" 1 já estavam presentes, de forma entusiasmante, todas as qualidades que fizeram de Joaquim Leitão o melhor dos "cineastas da narrativa" nacionais: sentido de ritmo, depuração cinematográfica, sedução plástica e uma capacidade irrepreensível de contar bem uma história.
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