Quebra-corações sem piedade
Por Sara Gomes
Viagem hilariante pelo mundo de duas mulheres que seduzem homens para lhes ficar com o dinheiro, “Matadoras”, de David Mirkin, conquista pelo riso. A comicidade de Sigourney Weaver é a grande surpresa. Por Sara Gomes
“Angela Nardino, aceitas Dean Cumanno como teu legítimo marido para amar, honrar e obedecer até que a morte vos separe?”, pergunta o padre. E Angela responde: “Sim.” Mas tudo não passa de uma farsa. O nome verdadeiro de Angela é Max Conners — interpretada pela magnífica Sigourney Weaver —, uma caçadora de fortunas com mil e um estratagemas para apanhar os homens através daquele que considera ser o seu ponto fraco: o sexo.
Especializada em casar e descasar, Max conquista ricos pretendentes, finge que adormece na noite de núpcias e, no dia seguinte, ajudada por Page (Jennifer Love Hewitt), sua filha e cúmplice, leva-os a violar um dos Dez Mandamentos: “Não trairás.” Quando os apanha em flagrante, o golpe está dado (o divórcio traduz-se numa avultada quantia em dinheiro) e a próxima vitima na mira. Sem dó nem piedade, assim são as “Matadoras” (no título original “Heartbreakers”, 2001), de David Mirkin.
Comédia romântica que se alimenta das velhas fórmulas hollywoodescas, o filme encontra o tom adequado e eficaz nas divertidas sequências de humor. E é aí que a mestria do realizador mais se insinua. O terreno da comédia não é, contudo, novo para Mirkin, que começou a sua carreira como comediante nos anos 80, actuando no Improvisation, no Comedy Store e noutros clubes dos EUA. Em 1994, faz parte da equipa de “Os Simpsons” como produtor executivo, chefia a equipa de argumentistas, é director de voz; mais tarde, estreia-se como realizador no filme “Romy and Michele's High School Reunion” (1997). Quatro anos depois, com “Matadoras”, os críticos reconhecem-lhe capacidade para realizar comédias e orientar actores que conhecemos noutros registos: Sigourney Weaver é hilariante e faz do seu corpo uma arma de humor (e sedução!); Gene Hackman, mais conhecido como actor dramático, é a caricatura perfeita de um magnata das tabaqueiras, politicamente incorrecto; Ray Liotta é esplêndido no papel de mafioso romântico; e Jennifer Love Hewitt, embora mais fraca, é bastante engraçada com todas as suas trapalhices.
Weaver a imitar Sophia Loren
Uma actriz que representa uma mulher que representa outras mulheres. Assim é o papel de Sigourney Weaver, que ficou conhecida pelo seu desempenho em “Alien”. Romântica, provocante ou sedutora. Russa, mãe ou prima. Várias são as personagens que Max encarna e, em última instância, que Weaver interpreta. Muitas são também as mentiras com que vai enganando as outras personagens... Sobretudo, os homens.
Weaver diz que criou Max Conners a partir da imagem de Sophia Loren. Estranho? Ela explica: “Acho-a muito voluptuosa e uma mulher sem idade. Podemos imaginá-la competindo com uma mulher muito mais nova, pois a sua experiência é tão atractiva como a falta de experiência de outras.”
A história começa com um bem sucedido desfalque às finanças de um pequeno mafioso, Dean Cumanno (Ray Liotta), após o qual Max e a sua filha decidem atacar, em Palm Beach, o milionário William B. Tensy (Gene Hackman), viciado no seu próprio negócio, a nicotina. O plano de Max é o mesmo de sempre: seduzir, casar, provocar a traição e depois pedir o divórcio.
Mas Page quer começar a trabalhar sozinha e ser independente da mãe. Prepara então um golpe paralelo para “apanhar” o romântico Jack (Jason Lee), dono de um bar situado num terreno que vale 3 milhões de dólares.
O problema é que, quando tudo parecia bem encaminhado, Tensy morre, Page apaixona-se pela sua vítima e o ex-marido Dean Cumanno reaparece em busca do perdão de Max (ainda convencido de que ele é que é o mau da fita). Sem nunca perder o lado cómico, o filme dá então uma reviravolta. O amor quando surge muda todas as certezas...
“Gags” irresistíveis
Consegue imaginar Sigourney Weaver a cantar? Pois é o que acontece neste filme. A cena é inesquecível: Max faz-se passar por uma falsa condessa russa e, para manter o seu disfarce perante Tensy, vê-se obrigada a subir ao palco de um restaurante russo para cantar um tema tradicional — “Korobochka”. Como desconhece o que lhe propõem cantar, opta por uma versão “country” do “Back in the USSR” dos Beatles... Resultado: Weaver é magnífica — poucos sabem que durante alguns anos cantou em “cabarets”. Mais tarde diria que nesta cena sentiu-se “pela primeira vez como uma verdadeira estrela de cinema, como Rita Hayworth”.
Outra das sequências de humor do filme (que tem muitas) é aquela em que Tensy descreve o prazer do fumador ao ver “fumo a sair das narinas quentes e vermelhas de uma mulher” e diz a Max que “não há nada mais sensual do que uma mulher a comer carne”. Imagens bizarras, mas fabulosamente sugeridas por Hackman, que nos aparece com a cara cheia de “manchas de fígado” (para dar mais credibilidade à sua personagem que fuma compulsivamente) e um catarro muito barulhento.
“Matadoras” surge-nos como uma comédia, cujos diálogos e “gags” são, de facto, irresistíveis. E David Mirkin prova que sabe dirigir comédias — os “timings”, tão importantes neste género, são perfeitos. O riso é algo que não se explica, mas parece ter medidas exactas.
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