Trivia        Fotos        Screensavers        Wallpapers        Passatempos        Artigos
SerieY 3
"O Caçador"
 

"O Caçador", de Michael Cimino, na Série Y
Por Raquel Ribeiro

 

Michael (Robert De Niro), Nick (Christopher Walken) e Steven (John Savage) são três amigos de uma comunidade de imigrantes russos, numa pequena cidade industrial da Pensilvânia. De dia, trabalham numa fábrica de aço. À noite, jogam bilhar, bebem cerveja e "caçam" raparigas nos bares da cidade. De vez em quando, partem para as montanhas (Nick diz: "Gosto das árvores nas montanhas") para caçar veados (e Mike diz: "O veado tem de ser abatido com um tiro"). Mas Steven vai casar. No dia seguinte, os três partem para o Vietname.

Após a festa de casamento (e de uma caçada bem sucedida), entramos directamente no pesadelo da guerra do Vietname. As caras já não são as mesmas - no cenário da guerra, todas as faces se repetem, todas se tornam irreconhecíveis e semelhantes entre si. Voltamos depois a distinguir Mike, Nick e Steve, agora prisioneiros do inimigo que os força, em apostas sucessivas, a jogar à roleta russa. E essa é uma das imagens mais marcantes da história do cinema.

 

Sobretudo por isso, "O Caçador" é um dos melhores filmes de guerra de sempre: as caras que se sucedem numa montagem rápida, grandes planos de De Niro, de Savage, de Walken, dos vietcongs, de revólver em punho, a puxar o gatilho, a suspirar de alívio diante da curta possibilidade de estar vivo, a estilhaçar os limites, sobrevivendo a um passo da morte certa, a bala a explodir na cabeça, o sangue, as balas, o silêncio, os dólares na mesa, os risos, os gritos, as lágrimas, a guerra.

 

Cinco Óscares da Academia (melhor filme, melhor realização, melhor som, melhor montagem e Walken como melhor actor secundário), e interpretações de luxo: De Niro é magnífico, a receber nomeação para Óscar de Melhor Actor, no rescaldo de uma das suas melhores décadas (depois de "O Padrinho II" (1974), "Taxi Driver" (1976), a anteceder "O Touro Enraivecido" (1980)); Walken tem um dos seus grandes papéis, tal como o jovem Savage, e Streep recebeu uma nomeação para melhor actriz secundária.

 

Apesar das mais de três horas de filme (entre o casamento, a guerra e o regresso a casa), o realizador Michael Cimino não se preocupa em descrever os antecedentes de nenhum dos personagens. Mas saberemos - durante as cenas no Vietname, o espectador aperceber-se-á disso - que Steven é o mais "fraco", Nick o mais "traumatizado" e Michael o mais "frio". E todos esses adjectivos são determinantes para se compreender a forma como a guerra os marcará. Steven "perde-se" logo, no jogo da roleta, quando a bala não o mata e lhe desfaz a cabeça; Nick parece controlado, mas sucumbe à violência psicológica do jogo ("Só mais um tiro", dirá no fim); Michael parece o herói, mas quando os olhos negros de De Niro brilham na escuridão da noite, na clausura do quarto, sabemos que não é verdade. Apesar da boina que ele não tira nunca, da farda que ele exibe com orgulho, das medalhas que Linda (Meryl Streep), a namorada de Walken e depois a namorada de De Niro, mostra às amigas, no supermercado - naquela guerra não há heróis. Apenas um sobreviveu fisicamente intacto - fisicamente, diga-se. A guerra estilhaçou tudo o resto. Um filme imperdível.