Operação
pilhagem,
parte II
Vasco T. Menezes
Austin Powers, o espião excitável
e psicadélico, está de volta. E com ele regressam
também as piscadelas de olho aos “spy movies” e a celebração
efusiva da cultura “pop”. Ao comando, o extraordinário
cómico que é o canadiano Mike Myers
Guarda-roupa espampanante, dentes podres e
muitos pêlos
no peito: Austin Powers, o espião mais “cool” dos anos
60, está de regresso. Naturalmente, diga-se, pois o estrondoso
sucesso comercial de “Austin Powers, o Agente Misterioso” tornara
quase inevitável uma sequela. Por isso, o realizador,
Jay Roach, e a estrela, Mike Myers, voltaram a reunir-se para
um segundo filme. E o raciocínio parece ter sido o de
não mexer muito numa fórmula vencedora.
Ou seja, “Austin Powers: O Espião Irresistível” (99)
parece apostar numa espécie de lógica do oposto:
se antes havia um foguetão que ia à Lua e explodia,
agora é um “laser” que vem da lua para baixo; se Austin
e o arqui-inimigo Dr. Evil (ambos interpretados por Myers) vinham
do passado para o futuro, agora partem do presente para o passado;
se Vanessa era o protótipo da inglesa empertigada, Felicity é a
americana estouvada, quase a alma gémea de Austin, ou
a sua versão feminina; e se este tinha na vitalidade sexual
a imagem de marca, perde agora a libido e tem de a encontrar
outra vez.
Mas há também elementos que não encontram
correspondência com o filme anterior, nomeadamente três
novas personagens: Fat Bastard (mais uma vez, Myers...), um gigante
escocês obeso com uma especial predilecção
por bebés; Mini-Me, o resultado de uma experiência
falhada de clonagem do Dr. Evil, imitando-o em tudo e surgindo
como uma deliciosa versão em miniatura deste; e finalmente,
talvez a mais bizarra figura de todas, o jovem Nº2 (o braço
direito do Dr. Evil), um derivado do Nº2 dos 90's (Robert
Wagner), com Rob Lowe a mimetizar na perfeição
o registo – da voz aos movimentos e trejeitos – de Wagner, como
se fosse o segundo clone (este não oficial) do filme.
De resto, continua presente tudo o que fazia do original uma
paródia irresistível aos filmes de espionagem e
aos “swinging sixties”: a fúria devoradora com que tudo é vampirizado,
num rolo compressor de referências e citações.
Austin, fotógrafo de dia e super-agente secreto à noite,
volta a juntar Bond, Clouseau, Derek Flint (aliás, como
faz questão de referir, o seu filme preferido é mesmo “In
Like Flint”, cartão de visita do espião a que James
Coburn deu corpo nos anos 60) ou o David Hemmings de “Blow Up”.
Como Myers (também co-argumentista, é ele a figura
tutelar aqui) explicou, “é uma fusão de uma data
de memórias difusas que tenho dos anos 60, tendo crescido
numa casa com um ambiente muito inglês. Por isso os óculos
são à Michael Caine, os pêlos no peito à Sean
Connery, os dentes à Tommy Steele e as roupas à David
Hemmings. Ele é parte James Bond, parte Inspector Clouseau,
por isso é tipo agente secreto e pantera cor-de-rosa”.
Por seu lado, o desastrado Dr. Evil, que apenas quer ser reconhecido
(e respeitado pelo filho) como o maquiavélico “génio
do mal” que (supostamente) é – e é essa fragilidade,
motivada pelos problemas de auto-estima, que faz dele o verdadeiro
centro do filme e o torna mais cativante e humano do que o sempre
confiante Powers –, continua a mesma caricatura hilariante da “némesis” de
Bond, Ernst Blofeld, com a careca reluzente, a cicatriz no rosto
e o gato da praxe ao colo. Já Felicity é uma óbvia
amálgama das “Bond Girls” (numa cena recorda a primeira
de todas, Ursula Andress, a sair da água num “bikini” branco,
imagem icónica de “Dr. No”), com o penteado a vir da Jane
Fonda de “Barbarella”.
Mas se a euforia gráfica dos 60's – por via da “swinging
London” e de uma psicadélica Carnaby Street, reconstruída
em estúdio – não foi mais uma vez esquecida neste
mosaico da cultura “pop”, a pilhagem e usurpação
vão agora mais longe, sem limitações de âmbito
temporal ou temático. Daí as referências,
entre outros, a objectos tão distantes dos filmes de espiões
dessa época como “Star Wars” ou “Jerry Maguire”.
Ficamos assim com uma celebração do “postiço”,
como se tudo fosse simulacro de algo que lhe é anterior.
E se tivermos em conta a proliferação de piadas
e trocadilhos sexuais, até se poderá falar em pós-modernismo
maroto e um pouco ordinário (mas também inofensivo,
benigno e quase ingénuo). E ao comando está o génio
cómico do canadiano Myers, presença voraz e herdeiro
espiritual de Peter Sellers, pela apetência para o disfarce
e pela obsessão em multiplicar-se (e esconder-se) por
várias personagens (no terceiro capítulo da saga, “Austin
Powers em Goldmember”, juntou mais uma à festa, o criminoso
holandês Goldmember...).
Mais do mesmo? Claro que sim. Mas quando o mesmo é assim
tão divertido, não haverá razão para
grandes queixas.
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