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SerieY 3
"Desafio Total"

Cidadão Arnold
Marco Vaza

 

 

Quando Schwarzenegger era um actor popular e não se candidatava (e ganhava) para cargos políticos, fazia filmes de grande orçamento. Acção e mais acção num ambiente futurista inspirado por Philip K. Dick.

 

Muitos trocadilhos se fizeram com os títulos dos filmes de Arnold Schwarzenegger durante a campanha do actor austríaco para o cargo de governador da Califórnia. “The Running Man” era o nome do autocarro de campanha de Arnold, que, durante os seus discursos, prometia exterminar o então governador Gray Davis. Mas o mais utilizado era, sem dúvida, “Total Recall”, associado à eleição/referendo (“recall”) que decorreu no estado californiano no passado dia 7 de Outubro e que deu uma vitória inequívoca a Schwarzenegger, entre mais de 100 candidatos.

 

O republicano Arnold Schwarzenegger, de 56 anos, é agora um político e já anunciou que não vai fazer mais filmes enquanto durar o seu mandato, até porque a sua carreira como actor já há alguns anos que tinha entrado numa curva descendente, longe da popularidade de outros tempos. “Desafio Total/Total Recall” (1990), o DVD que sai hoje na Série Y, é um dos bons exemplos de Schwarzenegger como “action hero” por excelência e do período em que o seu nome bastava para garantir um êxito de bilheteira.

 

Schwarzenegger é Douglas Quaid, um operário da construção civil casado com Lori (Sharon Stone, ainda quase uma desconhecida, apesar de uma carreira que já contava dez anos), mas a sua vida é acossada por frequentes pesadelos sobre Marte, um planeta onde nunca esteve e que apenas conhece da televisão. A curiosidade de Quaid sobre o planeta vermelho é mais forte que os conselhos da mulher e dos amigos e decide ir à Rekall, uma empresa de implantes de memória, para ter recordações de umas férias em Marte, sem os problemas de bagagem perdida e taxistas vigaristas.

 

Operário na Terra, agente secreto em Marte

O implante que Doug escolhe tem um extra, a “Ego Trip”, que permite viajar com outra identidade, mas os problemas começam quando este implante revela que Quaid é, na verdade, Hauser, um agente secreto que luta com a resistência marciana liderada por Kuato (Marshall Bell) contra a ditadura de Vilos Cohaagen (Ronny Cox, que será para sempre recordado como um dos citadinos aterrorizados pelos campónios de “Deliverance”, clássico de John Boorman). “Lamento, mas a tua vida não passa de um sonho”, diz Lori quando Quaid descobre que não era quem pensava ser (mais tarde, após disparar o tiro que mata a mulher, este retorquirá: “Considera-o um divórcio”...). O próximo passo é viajar até Marte e derrotar o ditador.

 

Neste futuro (a acção passa-se em 2084) com tons orwelianos imaginado pelo escritor de ficção-científica Philip K. Dick (autor de “Blade Runner”, “Relatório Minoritário” e de “We Can Remember it for You Wholesale”, o conto que serve de inspiração a “Desafio Total”), Marte e outros planetas do sistema solar já foram colonizados por seres humanos. No planeta vermelho, Vilos Cohaagen é o sinistro administrador da operação mineira para extrair uma preciosa substância, à custa dos colonos de Marte, a sua maioria mutantes.

 

O holandês Paul Verhoeven, uma escolha pessoal de Schwarzenegger por ser um cineasta “exótico e perigoso”, conduziu este filme de acção “sci-fi” com uns toques de “gore” e fez jus aos seus créditos de realizador com gosto pela hemoglobina, já bem visível no ultraviolento “Robocop” (1987), o seu primeiro grande êxito norte-americano. Fiel ao seu estilo, Verhoeven não perde muito tempo a teorizar sobre os problemas de identidade de Quaid/Hauser, preferindo apostar numa sucessão de cenas de acção trepidante e com poucas pausas, sempre marcadas por um sentido de humor bastante negro. E claro, a carne continua a ser triturada com a mesma delícia de sempre...

 

Schwarzenegger e Verhoeven não foram os primeiros nomes associados à adaptação do conto de Philip K. Dick. O argumento de “Total Recall” passou por várias mãos em Hollywood durante várias décadas antes de ser produzido. O veterano produtor italiano Dino de Laurentiis chegou a estar à frente do projecto e tinha planeado fazer o filme com o realizador australiano Bruce Beresford (“Miss Daisy”) e Patrick Swayze como o protagonista. Outros nomes associados a “Total Recall” foram os de David Cronenberg e Richard Dreyfuss, o que daria com certeza origem a algo bem diferente...