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SerieY 3
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Não Há Duas Sem Três
Por Vasco T. Menezes

 

 

David Lynch, Emir Kusturica, Woody Allen, Pedro Almodóvar, Joel e Ethan Coen, Steven Soderbergh, Michael Cimino, David Mamet ou Wes Craven: são os senhores que se seguem na série Y, a coleccção de DVD do PÚBLICO que entra agora na Parte III. O que quer dizer que a viagem por alguns dos filmes mais emblemáticos do cinema contemporâneo prossegue e, como tal, para este novo conjunto de 25 títulos, havia autores a que importava regressar e outros ilustres que seria impossível continuar a deixar de fora. Por isso, a conclusão é óbvia: nesta terceira encarnação, qualidade é ainda a palavra de ordem.

 

E se o início da nova colecção - hoje, com "Traffic" (2000), de Steven Soderbergh - é a prova acabada disso mesmo, o que se lhe segue não o será menos. Há, desde logo, uma série de regressos que cabe destacar e podemos começar pelos que surgem em dose dupla. Falamos de David Lynch e Woody Allen, dois dos maiores cineastas americanos dos nossos tempo, a quem apetece sempre voltar: Lynch pela imprvisibilidade de um universo delirante e hipnótico como poucos; Allen pelo elevado nível médio e inusitada cadência de uma obra que é das mais pessoais e facilmente identificáveis em terras do Tio Sam.

 

Do primeiro veremos dois "road movies" radicalmente distintos: enquanto "Estrada Perdida" (1997) é um labirinto onírico de bizarrias várias (duplos, bruxos e transformações) à volta das ruínas do "noir", "Uma História Simples" (1999) mostra-nos um Lynch mais acessível e gentil, (quase) em versão "para toda a família", com um filme que é um longo poema - um velhote (espantoso Richard Farnsworth) atravessa a América profunda para se reconciliar com o irmão moribundo.

 

Do segundo recordaremos dois dos melhores exemplos da fase mais recente e lúdica que marcam também a aproximação do realizador a territórios à partida inesperados: o musical dos anos 30, com o magnífico (e hilariante) "Toda a Gente Diz Que Te Amo" (1996) - se quiserem ouvir Woody, Julia Roberts, Edward Norton, Goldie Hawn ou Drew Barrymore a cantar, não percam. -, e o policial dos anos 40, em "A Maldição do Escorpião de Jade" (2001), no qual Allen se toma por Bogart e troca diálogos certeiros e rápidos como balas (para revisitar também a comédia "screwball") com a "partenaire" Helen Hunt.

 

Outro encontro improvável é o de Pedro Almodóvar com o mundo de Ruth Rendell, celebrada autora de romances de mistério. O resultado dá pelo nome de "Em Carne Viva" (1997), onde o espanhol constrói um melodrama complexo sobre destino e culpa. Mas também há aqueles que não sentem necessidade de procurar materiais (à primeira vista) estranhos para perseguir as mesmas obsessões de sempre. É o caso dos irmãos Coen, que em "O Barbeiro" (2001) continuam a explorar o filão inesgotável do filme negro americano e a aplicar-lhe as suas peculiares sensibilidades. E o que é válido para os Coen, é-o também para Emir Kusturica: na fábula negra que é o magnífico "Underground" (1995), Palma de Ouro em Cannes, o jugoslavo volta a olhar para a história do país natal, fazendo confluir as coordenadas habituais do seu cinema - realismo mágico, comédia surreal e um frenesim celebratório varrido por um tocante sopro de melancolia.

No campo dos consagrados que se estreiam na série, Michael Cimino leva a palma de honra. Não só por ser (cada vez mais) um autor maldito (nos últimos 13 anos apenas fez dois filmes), mas porque com o mítico "O Caçador" (1978) assinou uma das obras-primas absolutas da "Nova Hollywood" dos gloriosos (e saudosos) anos 70. Experiência avassaladora e perturbante reflexão sobre a América, com o Vietname em pano de fundo, recebeu cinco Óscares (entre eles o de melhor filme) e deu a conhecer ao mundo, ao lado de Robert De Niro e Meryl Streep, um actor de eleição: Cristopher Walken.

 

Ao contrário do megalómano Cimino, David Mamet continua a filmar com regularidade. E ainda bem, porque os jogos de palavras e enganos do reputado dramaturgo são das experiências cinematográficas mais excitantes e inteligentes que actualmente o cinema americano tem para oferecer. Façam o favor de o confirmar no delicioso "State and Main" (2000), mais "leve" do que o habitual em Mamet, mas nem por isso menos cerebral.

 

Espaço ainda para alguns autores de culto, defendidos com unhas e dentes por um punhado de fiéis admiradores, mas ignorados por outros, muito por culpa de operarem quase sempre em géneros extremamente codificados, aos quais nem todos têm disponibilidade para aceder, como o terror ou a FC. Vamos poder entrar com um dos mestres do fantástico, Wes Craven, nas brincadeiras perigosas de "Gritos 2" (1997), sequela que leva ao limite a noção de repetição, ultrapassando mesmo o original na desconstrução pós-moderna do modelo estafado do "slasher film". A seguir, viajaremos na companhia de Arnold Schwarzenegger e Sharon Stone até Marte, para um exemplo delirante da máquina trituradora de carne que é o cinema "trash" do controverso Paul Verhoeven: "Desafio Total" (1990), adaptação de um conto de Philip K. Dick. Depois, que tal entrarmos na "Cidade Misteriosa" (1998) de Alex ("O Corvo") Proyas, outro "puzzle" futurista, com uma estética devedora não só da FC, mas também do "noir" e do expressionismo alemão, e um "cast" eclético que reúne Kiefer Sutherland, Jennifer Connelly e William Hurt?

 

Há ainda um trio de filmes portugueses - o "thriller" urbano "Duma Vez Por Todas" (1986), a primeira obra de Joaquim Leitão, e dois títulos de Luís Filipe Rocha, "Adeus, Pai" (1996) e "Camarate" (2001) - e uma galeria de propostas que abarca os mais diversos registos, do épico histórico ("Elizabeth", 1999) à paródia descabelada (Austin Powers - O Espião Irresistível", 1999), passando pela crónica de iniciação sexual ("E a Tua Mãe Também", 2001), a farsa ("A Bela Época", 1992), o drama biográfico ("Antes Que Anoiteça", 2000), a comédia romântica ("Italiano Para Principiantes", 2000) e "screwball" ("Matadoras", 2001), a sátira política ("Manobras na Casa Branca", 1997) ou o "buddy movie" ("Hora de Ponta", 1998). Em suma, cinema para todos os paladares.