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SerieY 3
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1, 2, 3... a série Y continua
Por Vasco T. Menezes

 

 

David Cronenberg, Pedro Almodóvar, Emir Kusturica, Spike Lee, David Lynch, Robert Altman, Woody Allen, Nanni Moretti, Lars von Trier, Quentin Tarantino... Foi na companhia de autores consagrados do cinema contemporâneo - europeus, americanos e não só - que fizemos a viagem da série Y, uma incursão por alguns dos títulos mais marcantes dos últimos 20 anos.

 

E porque o que é bom nunca é demais, a colecção de DVD do PÚBLICO entra agora na Parte III, com um novo conjunto de 25 filmes para (continuar a) coleccionar todas as quintas-feiras. Se olharmos para os protagonistas - há os repetentes sempre bem-vindos (Lynch, Kusturica, Allen, Almodóvar, Joel e Ethan Coen) e um grupo ilustre de "novatos" (por exemplo, Steven Soderbergh, Michael Cimino, David Mamet ou Wes Craven) -, a conclusão é simples: nesta terceira encarnação, o nível de qualidade da série, no mínimo, mantém-se. Não há duas sem três.

 

E o início dificilmente poderia ser melhor: "Traffic" (2000), de Steven Soderbergh, mosaico virtuoso de histórias paralelas à volta do mundo do tráfico de droga. Vencedor de quatro Óscares (melhor realizador, argumento adaptado, actor secundário - Benicio Del Toro, espantoso - e montagem) e com um elenco de luxo (Del Toro, Michael Douglas, Catherine Zeta-Jones e Dennis Quaid), o filme marcou a consagração de Soderbergh na indústria americana, ficando até hoje como a síntese por excelência das duas facetas do realizador - artista e artesão.

 

O autor de "Sexo, Mentiras e Vídeo" é o primeiro dos cineastas estreantes na série a entrar em cena, mas há vários outros que importa destacar. Desde logo, David Mamet, um dos mais conceituados dramaturgos americanos, que é também dono de um dos universos mais pessoais e estimulantes do cinema que se faz do outro lado do Atlântico. Mestre da palavra, está presente com o irresistível "State & Main" (2000), em que os habituais jogos de engano surgem sob a capa da paródia a Hollywood.

 

E se o filme de Mamet é obrigatório, o que dizer do clássico "O Caçador" (1978)? Título mítico da "Nova Hollywood" (os gloriosos anos 70, época dos "movie brats") e uma reflexão poderosa sobre a América - através da forma como a Guerra do Vietname afecta a vida de uma comunidade siderúrgica na Pensilvânia -, é a obra-prima de um autor maldito, Michael Cimino. Fresco épico monumental, conquistou cinco Óscares (incluindo melhor filme) e revelou uma presença perturbante, Christopher Walken, aqui ao lado de Robert De Niro e Meryl Streep.

 

A colecção vai abrir também espaço a territórios que ainda não tinham sido experimentados, como o terror e a ficção científica. No primeiro caso, com uma proposta de um dos mestres do género. Falamos de Wes Craven e de "Gritos 2" (1997), um dos casos raros em que a sequela consegue ser melhor que o original, levando ainda mais longe a subversão e o revisionismo pós-modernos da fórmula cansada do "slasher film", iniciados no filme anterior. No segundo caso, temos duas tortuosas extravagâncias futuristas, que abordam temas como identidade, memória, percepção e realidades paralelas: "Desafio Total" (1990), adaptado de um conto de Philip K. Dick, é uma bisarma delirante cortesia do holandês Paul Verhoeven, em que o ritmo frenético e o sentido de humor negríssimo se aliam a um Arnold Schwarzenegger no auge da sua forma e uma Sharon Stone prestes a "explodir"; "Cidade Misteriosa" (1998), plasticamente brilhante, opta por uma fusão bizarra de FC, "noir" e expressionismo alemão, assinada por outro cineasta de culto, Alex Proyas, autor de "O Corvo".

 

Fora dos EUA, destaque para o mexicano "E a Tua Mãe Também" (2001) - premiadíssima crónica (por Alfonso Cuarón, o realizador do próximo "Harry Potter") de iniciação sexual e perda da inocência que conta a viagem de dois jovens e uma mulher mais velha ao longo do país, em direcção a uma praia lendária - e "Italiano Para Principiantes" (2000), da dinamarquesa Lone Scherfig, com o negrume típico no movimento de "castidade cinematográfica" do Dogma-95 a dar lugar a um inesperado tom de leveza que arrisca a comédia romântica.

 

Mas as estreias não são tudo, pois há que contar ainda com o regresso de velhos conhecidos que apetece sempre rever. Por isso, depois de já termos mergulhado no universo alucinado de David Lynch com o "puzzle" hipnótico de "Mulholland Drive", que tal recordarmos as duas obras que o antecederam, "Estrada Perdida" (1997) e "Uma História Simples" (1999)? São, no fundo, dois "road movies" (um mental, o outro literal), mas enquanto o primeiro é outro "neo-noir" onírico e labiríntico (que envolve duplos, bruxos, vídeos misteriosos, transformações e outras bizarrias), o segundo é talvez a obra mais acessível, gentil e poética de Lynch - a longa odisseia de um ancião (notável Richard Farnsworth, na sua hora de maior glória, pouco antes da morte) que resolve atravessar, num cortador de relva, a América profunda, para se reconciliar com o irmão moribundo -, provavelmente o mais perto que o realizador (sem sacrificar as suas obsessões habituais: a estrada, industrialização, maquinaria) alguma vez estará do "filme de família"...

 

E se Lynch é sempre imprevisível, Woody Allen, verdadeira instituição, costuma permitir o conforto do reconhecimento. Dele vamos poder ver mais dois exemplos da sua fase mais recente e "light", que são também do melhor que o neurótico nova-iorquino tem produzido nos últimos tempos: o sublime "Toda a Gente Diz Que Te Amo" (1996), homenagem hilariante ao musical dos anos 30 (em que Allen põe um improvável elenco - de Goldie Hawn a Drew Barrymore, passando por Julia Roberts ou Edward Norton - a cantar...), leva a palma de honra, mas também não se deverá descartar "A Maldição do Escorpião de Jade" (2001), divertidíssima revisitação da comédia "screwball" e do policial dos anos 40 (os diálogos são disparados como balas e Woody veste a pele de Bogart...).

 

O grupo de ilustres "habitués" da série inclui ainda outros nomes de peso: os irmãos Coen, Pedro Almodóvar e Emir Kusturica. A dupla americana regressa com "O Barbeiro" (2001), o seu mais recente exercício de estilo à volta do filme negro, na tradição "pulp" de James M. Cain; o espanhol com o segundo melodrama da fase "madura" (pós-"Kika"), "Em Carne Viva" (1997), meditação complexa sobre destino e culpa, a partir de uma matriz inesperada, um romance de mistério de Ruth Rendell; e o jugoslavo com uma obra-prima absoluta (Palma de Ouro em Cannes), "Underground" (1995), comédia negra tingida de melancolia por onde passa a história de um país, até ao colapso final.

 

E os portugueses? O cinema nacional continua a não ser esquecido e será representado por mais dois "repetentes": para além de duas obras de Luís Filipe Rocha - "Adeus, Pai" (1996) e "Camarate" (2001) -, fica a possibilidade de conhecer o primeiro filme de Joaquim Leitão, o "thriller" urbano "Duma Vez Por Todas" (1986).