Inquérito a 13 generais de Abril
Por Adelino Gomes

RESPOSTAS NA ÍNTEGRA
 
Questionário

1. O que sonhava enquanto militar, enquanto cidadão e enquanto indivíduo, no 25 de Abril?

2. 33 anos passados, o que está melhor em Portugal?

3. O que está pior?

4. Acha que se não pertencêssemos à União Europeia já teria havido outro(s) golpe(s) de Estado, entretanto?

5. Alguns destacados elementos do 25 de Abril não chegaram a generais (Melo Antunes, Fabião e – tudo o indica, mesmo que tivesse vivido muitos mais anos – Salgueiro Maia, para só falar nalguns dos que já morreram). É evidente que cada caso é um caso. Mas será que se pode dizer que estes e vários outros militares, ainda vivos, pagaram (também) o preço de se terem empenhado demais no 25 de Abril?

6. Quer indicar algum nome que gostava de ter visto no generalato (ou como almirante)?

7. Descontada a enorme diferença de uma viver em ditadura e a outra em democracia, quais as diferenças que vê entre os generais da sua geração e os da chamada “brigada do reumático”?

8. Como viu a recente vitória de Salazar como o maior português de sempre, no concurso da RTP?

9. Acha, como Eduardo Lourenço, que ela representou a morte simbólica do 25 de Abril?

 
Veja aqui o destaque sobre o 25 de Abril
 

 
Generais

01. General Adelino Matos Coelho
02. General Alfredo Assunção
03. General Amadeu Garcia dos Santos
04. General Augusto Monteiro Valente
05. General Aurélio Trindade *
06. General Carlos Camilo
07. General Franco Charais
08. General Luís Ferreira do Amaral
09. General Luís Sequeira
10. José Costa Neves
11. General Manuel Monge
12. Almirante Victor Crespo
13. General Fernando Aguda

1. General Adelino Matos Coelho

1. Dados curriculares

a) Data e local de nascimento: 31 de Outubro de 1946 – Aveiro.

b) Ramo e arma: Exército, major-general, oriundo de Infantaria.

c) Situação militar: reserva, desde 31 de Outubro de 2005.

d) Idade e posto em 25 de Abril de 1974: tenente de Infantaria.

e) Unidade e localidade: RI 5 (Caldas da Rainha).

f) Comissões no ultramar: uma, em Angola, após 25 de Abril.

g) Adesão ao Movimento dos Capitães, desde Setembro de 1973, acompanhando e participando na sua evolução.

h) Actividade operacional naquele dia: estava preso no RAL 1, por ter participado no “16 de Março de 1974”

2. Inquérito

1. O que sonhava enquanto militar, enquanto cidadão e enquanto indivíduo, no 25 de Abril?

- O fim da guerra
- O fim da ditadura
- A abertura de Portugal ao resto do mundo e o seu consequente desenvolvimento

2. 33 anos passados, o que está melhor em Portugal?

- Termos passado a viver em paz em consequência do fim da guerra colonial
- O fim da ditadura e viver de acordo com os mecanismos de um sistema democrático.
- O fim do isolamento em que se vivia e a consequente abertura, com tudo o que isso significa de conhecimento e de possibilidade de desenvolvimento

3. O que está pior?

Termos menos sonhos
O aumento, que se tem vindo a sentir, das diferenças a nível económico e, em consequência, a todos os outros níveis.

4. Acha que se não pertencêssemos à União Europeia já teria havido outro(s) golpe(s) de Estado, entretanto?

Como afirmam os historiadores, a História faz-se com factos e não com o que não aconteceu. Comungo desta opinião, como tal, não me é possível pronunciar-me sobre essa hipótese.

5. Alguns destacados elementos do 25 de Abril não chegaram a generais (Melo Antunes, Fabião e – tudo o indica, mesmo que tivesse vivido muitos mais anos – Salgueiro Maia, para só falar nalguns dos que já morreram). É evidente que cada caso é um caso. Mas será que se pode dizer que estes e vários outros militares, ainda vivos, pagaram (também) o preço de se terem empenhado demais no 25 de Abril?

Neste âmbito, deveremos relembrar:
Antes do 25 de Abril, genericamente, os capitães concertaram a ideia que a “vitória” não deveria conduzir a uma onda de promoções, graduações ou condecorações, o que aconteceu, com algumas excepções, histórica e temporalmente justificadas;
Diversos militares, dos que participaram no 25 de Abril, em determinado momento das respectivas carreiras, optaram por exercer actividades não relacionadas com a Instituição Militar, pelo que, sem nomear, presumo que alguns destes militares poderiam satisfazer aos critérios de escolha para frequentar curso de promoção a oficial general;
Quanto aos que se mantiveram no activo e não ascenderam, não será fácil demonstrar a ideia de “terem pago o preço de se terem empenhado demais no 25 de Abril”tenha servido de critério para a não promoção a general, dado que, se muitos dos que se envolveram empenhadamente ascenderam ao generalato, muitos mais dos que não se empenharam também não ascenderam.

6. Quer indicar algum nome que gostava de ter visto no generalato (ou como almirante)?

Em face da minha resposta anterior, é-me difícil estabelecer critérios para indicar nomes.

7. Descontada a enorme diferença de uma viver em ditadura e a outra em democracia, quais as diferenças que vê entre os generais da sua geração e os da chamada “brigada do reumático”?

A abertura da Instituição Militar à sociedade civil teve influência na formação dos oficiais, tornando-os mais sensíveis às questões sociais e à participação na cidadania.

8. Como viu a recente vitória de Salazar como o maior português de sempre, no concurso da RTP?

Lamento o resultado, sem dar uma importância excessiva ao resultado, tendo em conta a forma como a votação se processou.

9. Acha, como Eduardo Lourenço, que ela representou a morte simbólica do 25 de Abril?

Não quero acreditar que possa ser a morte, ainda que simbólica, do 25 de Abril. Quero acreditar que seja uma forma protesto por aquilo que Abril anunciou mas não conseguiu ou o que, de Abril, regrediu.

2. General Alfredo Assunção

1. Dados curriculares

a) Data e local de nascimento
1946, Porto

b) Ramo e arma
Cavalaria do Exército

c) Situação militar (activo, reserva, reforma, desde quando)
Reserva

d) Idade e posto que detinha em 25 de Abril de 1974
28 anos, tenente

e) Unidade e localidade em que se encontrava

EPC, Santarém

f) Número e local de comissões no ultramar e (se for caso disso) de missões no estrangeiro

Uma comissão na Guiné; quase 5 anos como adido militar em Angola; e um ano em Timor como chefe de estado-maior da PKF/UNTAET. Um dos anos em Angola passei-o em Lusaca, como conselheiro da missão portuguesas, nas conversações de paz da Troika com os beligerantes angolanos.

g) Como exprimiu o seu apoio ao movimento?

Assinei na Guiné o abaixo-assinado contra o congresso dos ex-combatentes. Já com Salgueiro Maia.

h) Teve actividade operacional ou outra, organizada, naquele dia? O quê?

Fui adjunto do comando das forças da EPC.

2. Inquérito

1. O que sonhava enquanto militar, enquanto cidadão e enquanto indivíduo, no 25 de Abril?
Democracia, liberdade de expressão e uma solução política para a guerra.

2. 33 anos passados, o que está melhor em Portugal?
O país melhorou, de uma maneira geral.

3. O que está pior?
O número de excluídos e o problema do desemprego. Aflige-me. Nunca pensei que chegássemos a este ponto.

4. Acha que se não pertencêssemos à União Europeia já teria havido outro(s) golpe(s) de Estado, entretanto?
Acho. Muito sinceramente. No passado recente podia ter-se entrado numa situação complicada devido a incompetências governamentais. A Europa tem sido travão para muita coisa.

5. Alguns destacados elementos do 25 de Abril não chegaram a generais (Melo Antunes, Fabião e – tudo o indica, mesmo que tivesse vivido muitos mais anos – Salgueiro Maia, para só falar nalguns dos que já morreram).
É evidente que cada caso é um caso. Mas será que se pode dizer que estes e vários outros militares, ainda vivos, pagaram (também) o preço de se terem empenhado demais no 25 de Abril?
É verdade que muitos pagaram. Tinham perfil para serem oficiais generais. De facto, houve um período de alguma perseguição. Eu próprio o senti. Tal como Salgueiro Maia, quando foi para os Açores.

6. Quer indicar algum nome que gostava de ter visto no generalato (ou como almirante)?
Não queria ser injusto com ninguém. Há muitos que tinham perfil e capacidade para o serem. O Salgueiro Maia seria de certeza general, se não tivesse morrido. Por causa do seu perfil e pelo seu profissionalismo

7. Descontada a enorme diferença de uma viver em ditadura e a outra em democracia, quais as diferenças que vê entre os generais da sua geração e os da chamada “brigada do reumático”?
Devo dizer que eles eram muito considerados, na ditadura. Enquanto que na democracia são-no pouco. Aliás, em regime democrático os generais são muito pouco considerados. Não fizeram nenhum curso da Farinha Amparo mas pura e simplesmente não são aproveitados. Só o atribuo ao facto de serem apartidários e servirem o País, em vez de estarem ao serviço dos grupos de interesse que se envolvem nos partidos

8. Como viu a recente vitória de Salazar como o maior português de sempre, no
concurso da RTP?
Não lhe dei muita importância. Mas uma das possibilidades é ser um desabafo perante os políticos que têm medo dizer a verdade povo e que nas campanhas criam esperanças que se transformam em mentira, o que perturba as pessoas. Ao menos “aquele”, dizem essas pessoas, matava-nos à fome mas não nos criava esperanças.

9. Acha, como Eduardo Lourenço, que ela representou a morte simbólica do 25 de Abril?
Em parte concordo com ele. E digo mais: atribuo-o a partidos que se dizem de esquerda e que uma vez que chegam ao poder cumprem o programa de partidos de direita, fazendo o que não prometeram na campanha eleitoral.

3. General Amadeu Garcia dos Santos

1. Dados curriculares

a) 13/8/935, Lisboa, Bairro Alto

b) Exército, Engenharia ("atirado" para as Transmissões)

c) Há 7 anos na situação de reforma

d) 38 anos, Tenente-Coronel

e) Academia Militar, Lisboa

f) 1962/64, Guiné como Chefe da Delegação do Serviço de Telecomunicações
Militares, que instalei1968/70, Angola, como Oficial de Operações do Comando das Transmissões da Região Militar

g) Em Dezembro de 1973 fui contactado pelo então Tenente-Coronel de
Engenharia Fischer Lopes Pires que me sondou sobre a possibilidade de eu querer ou não aderir ao MFA; respondi positivamente de imediato

h) Fui eu que planeei as transmissões, elaborando o chamado "Anexo de
Transmissões à Ordem de Operações" para as operações militares previstas para aquela altura, operações estas que, por sua vez, tinham sido planeadas e constavam da respectiva "Ordem de Operações" elaborada pelo Otelo Saraiva de Carvalho;
Fui eu que, no Posto de Comando no Regimento de Engenharia 1 na
Pontinha, montei e operei juntamente com pessoal militar do Batalhão de Telegrafistas/Serviço de Telecomunicações Militares, da Graça-Sapadores (onde eu estivera durante 12 anos), todo o equipamento de rádio e telefónico que foi utilizado durante as operações do 25 de Abril.

 

2. Inquérito

1. No meu caso concreto, dados os meus contactos desde muito jovem com a geração de "velhos republicanos" com quem o meu pai mantinha uma relação permanente, os
meus sonhos na qualidade de militar, de cidadão e de individuo, confundiam-se num só: "Portugal podia, finalmente, encarar o futuro com uma esperança concreta e real na participação de todos os portugueses na construção de um País desenvolvido, em democracia".

2. Sinceramente, respondo-lhe que não sei. Mesmo quando se diz que, pelo menos, vivemos em democracia, tenho sérias dúvidas que isso corresponda à realidade. Na minha opinião, vivemos em democracia, eu diria, "à pai Adão"!! Ou seja, falta ainda aos portugueses uma verdadeira educação democrática que precisa de ser ensinada e aprendida ao longo do tempo. E será que temos quem nos ensine? Ou teremos de aprender à nossa própria custa? Com que custos? Estaremos a ensinar e a preparar as próximas gerações?

3. Para alem das dúvidas que expressei na questão da alínea anterior, há, para mim, duas questões essenciais que, a não serem solucionadas definitivamente (e elas são tão antigas como a nossa própria nacionalidade!!!!), continuarão a condicionar negativamente todo o nosso futuro como País:

-a primeira, é a da definição e concretização dos objectivos nacionais, ou seja, do que é que o nosso País quer ou deve ser no contexto das nações. Isto é, para onde e como vamos. Em síntese, quais são os nossos "interesses nacionais"?
-a segunda, é a da nossa total, tradicional e visceral incapacidade de planear, seja o que for!

4. A nossa ligação à UE impõe-nos algumas regras e condicionamentos que, quer queiramos quer não, limitam as dificuldades e carências resultantes de ainda não termos solucionado as questões que referi na alínea anterior. Se a nossa ligação à UE não existisse estou convencido que, então sim, a "bagunça" seria total e aumentaria fortemente a probabilidade de outro
golpe de estado.

5. Embora exista, eu creio que essa ideia não tem razão de ser. Sendo a Instituição Militar fortemente conservadora, ela rege-se por princípios e regras com um peso e uma tradição muito acentuadas e que condicionam todo seu funcionamento. Em períodos revolucionários este conservadorismo poderá ser atenuado ou mesmo "metido na gaveta". Mas, à medida que o fervor revolucionário vai arrefecendo a tendência conservadora vai, inevitavelmente, ressurgindo.
Isto para dizer que, seja em período revolucionário, de estabilidade democrática ou de características acentuadamente conservadoras, existem sempre "normas", regulamentadas ou simplesmente assumidas, que permitem o acesso ao generalato. Por outro lado, há indivíduos militares que, tendo sido excepcionais capitães
foram (ou poderiam ter sido) péssimos generais. E vice-versa. Por outro lado ainda, há indivíduos militares cujas características intelectuais os encaminham para tipos
de actividades totalmente afastadas do comando de tropas. Tudo isto cria mecanismos, orgânicos
ou não, que, de forma mais ou menos automática ou regulamentada, leva às promoções ao generalato.

6. Não respondo.

7. Há 24 anos q estou afastado da "vida interna" da Instituição Militar. Existem, por isso, muitos pormenores que desconheço completamente. Creio, porém, que a formação dos actuais oficiais generais se orienta e preocupa muito mais com a realidade e a prática do que antes do 25 de Abril.

8. Como a demonstração real da falta de educação cívica do povo português, em geral, e da juventude, em particular.

9. Acho que sim. Eu próprio me interroguei, na altura, se teria valido a pena ter-me empenhado como me empenhei no 25 de Abril. Contudo, passado esse momento de
desconsolo, se tivesse que volta atrás, repetiria tudo aquilo que fiz.

4. General Augusto Monteiro Valente

1. Dados curriculares

a) Data e local de nascimento
16 de Abril de 1944, Coimbra.

b) Ramo e arma
Exército - Infantaria

c) Situação militar (activo, reserva, reforma, desde quando)
Reserva, desde 16 de Abril de 2003.

d) Idade e posto que detinha em 25 de Abril de 1974
30 anos de idade. Era capitão.

e) Unidade e localidade em que se encontrava
Regimento de Infantaria N º 12, na cidade da Guarda.

f) Número e local de comissões no ultramar e (se for caso disso) de missões no estrangeiro
Uma primeira comissão em Angola (1967), como alferes; uma segunda na Guiné (1970 – 1972). Nenhuma missão no estrangeiro.

g) Como exprimiu o seu apoio ao movimento?
Participando em várias das suas reuniões conspirativas, desde a primeira, em 9 Setembro de 1973, e assinando vários documentos. Era, até 16 de Março de 1974, elemento de ligação com as unidades do interior Norte (Viseu, Lamego, Vila Real, Chaves e Bragança)

h) Teve actividade operacional ou outra, organizada, naquele dia? O quê?
Sim. Assumi o comando do Regimento de Infantaria nº 12, depois de haver prendido o comandante e o 2 º comandante da unidade. Comandei a força que, de acordo com o plano de operações, se dirigiu para Vilar Formoso, fechou a fronteira, tomou o posto da PIDE/DGS, e assegurou o controlo das entradas e saídas do País.


2. Inquérito

1. O que sonhava enquanto militar, enquanto cidadão e enquanto indivíduo, no 25 de Abril?
Desde logo, inequivocamente, com o fim da ditadura, a implantação da democracia e, consequentemente, o fim da guerra colonial.

2. 33 anos passados, o que está melhor em Portugal?
Numa apreciação geral direi que está tudo melhor hoje, e significativamente! Desde logo, no plano das garantias, direitos e liberdades fundamentais dos Portugueses. Depois, no que é mais visível, ao nível das infra-estruturas básicas do país. Também, e no que é mais fundamental, ao nível da educação, da saúde, da assistência social e da habitação. E, sobretudo, no que respeita aos comportamentos claramente mais emancipados dos Portugueses.

3. O que está pior?
Penso, sinceramente, que nada está pior, embora por vezes tal pareça. Nada pode estar pior do que quando se vive em ditadura! Mas há muito ainda por fazer, sobretudo ao nível da cidadania e da participação cívica, do desenvolvimento solidário e da justiça social - na redução das assimetrias regionais, no combate à pobreza e ao desemprego, na educação e na saúde.

4. Acha que se não pertencêssemos à União Europeia já teria havido outro(s) golpe(s) de Estado, entretanto?
Estou absolutamente convicto que não! Os golpes de Estado/Revoluções não acontecem apenas em resultado de problemas sectoriais e/ou conjunturais. São, regra geral, produto da convergência de crises graves, estruturais, do regime político e das Forças Armadas, o que nunca aconteceu depois do 25 de Abril. É verdade que têm existido, e existem, problemas sérios, alguns mesmo bastante preocupantes, mas não se atingiu nunca o patamar da crise de regime. E não há no horizonte qualquer sinal que aponte nesse sentido. Isto não significa, contudo, que não haja outras formas de ir subvertendo os princípios e valores democráticos – como subtilmente tem vindo a acontecer!

5. Alguns destacados elementos do 25 de Abril não chegaram a generais (Melo Antunes, Fabião e – tudo o indica, mesmo que tivesse vivido muitos mais anos – Salgueiro Maia, para só falar nalguns dos que já morreram). É evidente que cada caso é um caso. Mas será que se pode dizer que estes e vários outros militares, ainda vivos, pagaram (também) o preço de se terem empenhado demais no 25 de Abril?
Não tenho qualquer dúvida a esse respeito. Os melhores de entre nós não chegaram a generais. Conheço vários casos concretos, que não foram até dos politicamente mais empenhados ou publicamente mais envolvidos. Injustiças flagrantes, perseguições políticas, desforços pessoais, represálias profissionais! E as Forças Armadas, e o País, só perderam por eles não haverem sido generais!

6. Quer indicar algum nome que gostava de ter visto no generalato (ou como almirante)?
Os que mais gostaria de ter visto generais seriam Diamantino Gertrudes da Silva, António Carlos Morais da Silva, David Matos Martelo, Carlos Matos Gomes, entre outros com muito mais mérito do que alguns que hoje o são, para só falar de oficiais do meu curso da Academia Militar, que melhor conheço.

7. Descontada a enorme diferença de uma viver em ditadura e a outra em democracia, quais as diferenças que vê entre os generais da sua geração e os da chamada “brigada do reumático”?
Em primeiro lugar, faço notar que «os generais da minha geração» não são todos iguais, não sendo possível uma mesma caracterização. Mas a grande diferença relativamente à chamada «brigada do reumático» situa-se na relação institucional civil-militar, ou mais precisamente, no relacionamento entre o poder político e a instituição militar, que é hoje uma relação democrática em oposição ao modelo totalitário do Estado Novo.

8. Como viu a recente vitória de Salazar como o maior português de sempre, no concurso da RTP?
O mais significativo para mim não foi a «vitória» de Salazar, porque outro resultado não era de esperar desde o início, além de que o número de concorrentes foi inexpressivo relativamente aos eleitores nacionais e o processo nada teve a ver com um acto eleitoral. A minha indignação maior foi que um canal público de televisão haja promovido um programa de escandalosa manipulação ideológica da História de Portugal. Os cinquenta anos da RTP ficarão marcados para o futuro por esse programa de lesa-democracia.

9. Acha, como Eduardo Lourenço, que ela representou a morte simbólica do 25 de Abril?
Sou um apaixonado pela obra de Eduardo Lourenço. Penso, todavia, que neste caso
o seu justo agastamento o levou a uma conclusão precipitada.

5. General Aurélio Trindade *

1. Dados curriculares

a) Data e local de nascimento
11.5.1933, Viseu

b) Ramo e arma
Infantaria

c) Situação militar (activo, reserva, reforma, desde quando)
Reforma

d) Idade e posto que detinha em 25 de Abril de 1974
41 anos, major

e) Unidade e localidade em que se encontrava
EPI, Mafra

f) Número e local de comissões no ultramar e (se for caso disso) de missões no estrangeiro
4 comissões: Índia, Moçambique, Guiné, Angola

g) Como exprimiu o seu apoio ao movimento?
A maior parte de nós estávamos metidos no movimento desde longa data. Majores só estávamos dois, eu era um deles

h) Teve actividade operacional ou outra, organizada, naquele dia? O quê?
Comandei a unidade.

2. Inquérito

1. O que sonhava enquanto militar, enquanto cidadão e enquanto indivíduo, no 25 de Abril?

Mais igualdade, melhores condições de vida, encontrar uma solução que não nos desonrasse nem o povo nem os militares, para o Ultramar.

2. 33 anos passados, o que está melhor em Portugal?
Vive-se um bocadinho melhor.

3. O que está pior?
Há maior desigualdade entre ricos e pobres. As diferenças são muito maiores hoje do que o 24 de Abril entre os que ganham mais e os que ganham menos. Custa-me muito ver pessoas pagarem por um almoço aquilo que outros não têm para comer durante um mês. Sou filho de lavradores, trabalhei a terra até aos meus 19 anos, a estudar e a trabalhar.

4. Acha que se não pertencêssemos à União Europeia já teria havido outro(s) golpe(s) de Estado, entretanto?

É importante pertencermos à UE. E mais importante ainda é vivermos em democracia. Mesmo que o desejem, os militares não têm capacidade de fazer qualquer intervenção em democracia. E no entanto hoje há mais razões para os militares virem para a rua do que havia no 24 de Abril.

5. Alguns destacados elementos do 25 de Abril não chegaram a generais (Melo Antunes, Fabião e – tudo o indica, mesmo que tivesse vivido muitos mais anos – Salgueiro Maia, para só falar nalguns dos que já morreram). É evidente que cada caso é um caso. Mas será que se pode dizer que estes e vários outros militares, ainda vivos, pagaram (também) o preço de se terem empenhado demais no 25 de Abril?

Todos os militares mesmo os que chegaram a generais como eu e o Jorge Silvério [também do Movimento, na EPI] pagam um preço por terem feito o 25de Abril. O preço, foi não me darem o comando de unidades. A mim, que na guerra tive uma companhia condecorada colectivamente por feitos em campanha (há no máximo uma dúzia, em centenas que lá andaram).

6. Quer indicar algum nome que gostava de ter visto no generalato (ou como almirante)?

Gertrudes da Silva. É o nº 1 do curso e ainda hoje lhe têm respeito. Pegou numa companhia do RI 14 na noite de 24 e veio por aí abaixo esses 300 quilómetros, até Lisboa, onde tinha uma missão a cumprir e cumpriu-a. Pagou a factura. Dizem que ele é gonçalvista? E os que estiveram ligados ao Mário Soares e ao Sá Carneiro? E à extrema-esquerda? Outro nome a quem não deram comando: Rui Rodrigues. Um homem que é capaz de arrancar com uma companhia e tomar o aeroporto, não pode comandar a Escola? Nos 300 que fizeram o 25 de Abril havias dos melhores oficiais do Exército. Por isso foram capazes de planear e executar aquela missão. O domínio da máquina militar pouco depois do 25 de Abril ficou nas mãos de militares que chamavam “libertários” aos do 25 de Abril.

7. Descontada a enorme diferença de uma viver em ditadura e a outra em democracia, quais as diferenças que vê entre os generais da sua geração e os da chamada “brigada do reumático”?

Se calhar nós já estamos no reumático. A brigada tinha gajos muito bons. Alguns de mais categoria do que nós actualmente. Agora é que começam a chegar lá indivíduos bem capacitados, que eram tenentes na altura. Antes, pode dizer-se que chegaram muito poucos militares que entraram no 25 de Abril a generais. Chegaram foi muitos do dia 26, 27 e 28.

8. Como viu a recente vitória de Salazar como o maior português de sempre, no
concurso da RTP?

Foi uma asneira em terem realizado o concurso. Estando lá Cunhal e Salazar, as
forças apoiantes iriam captar apoios. Mas foi um episódio sem importância.

9. Acha, como Eduardo Lourenço, que ela representou a morte simbólica do 25 de Abril?

O 25 de Abril foi morto quando começaram a perseguir os militares de Abril. Esses já estão todos arrumados. Se você não mostra que está com o PS ou o PSD, é preterido. Não é através do CDS ou do PC que se faz carreira. Para se ser chefe-do-estado-maior, que é o lugar mais alto da hierarquia, tem que se ser menino bonito do partido que está no Governo, não é preciso ter categoria.

* O inquirido fez questão de manifestar, através deste meio, a sua indignação pela forma como têm sido tratados os combatentes da guerra. Como “oficial, ex-combatente e homem do 25 de Abril”. Todos os governos têm dito que querem defender os ex-combatentes, “mas não fazem o essencial”, limitando-se a dar-lhes “uma esmola, e a esmola desonra o Estado português”. Depois de entrar no detalhe das pensões atribuídas – fora do âmbito deste trabalho – o general Trindade (quatro comissões no Ultramar) concluiu: “Os ex-combatentes nunca pediram ao estado uma pensão. O que pediram foi tratamento igual [em relação à contagem do tempo de serviço, quer militares quer os jovens do serviço militar obrigatório que foram para a actividade privada]. Dá-se 150 euros - trinta contos por anos - a um ex-combatente? É uma miséria. É indigno. Ou davam qualquer coisa decente ou não davam nada. Vem agora este governo dizer que só dá aos que precisam. Mas o ex-combatente não precisa de esmolas. Se querem dá-la façam-no pela segurança Social, por exemplo. Por ser combatente, não”.

6. General Carlos Camilo

1 – Dados curriculares

Nome: Carlos Manuel Costa Lopes Camilo
Posto: Major – General

a) 16 Abril de 1944/Lisboa

b) Exército/Infantaria

c) Reserva na efectividade de serviço desde Abril de 2003

d) 30 anos/Capitão

e) Batalhão de Caçadores Nº5/Lisboa

f) 3 comissões no Ultramar, 2 em Angola e 1 em Moçambique, esta última já iniciada depois do 25 Abril de 1974.

g) Fui um dos 5 capitães que em 1973 organizou a reunião de Évora, que deu inicio ao chamado “Movimento dos Capitães” (MC) (Simões, Vasco Lourenço, Bicho Beatriz, Diniz de Almeida e Camilo).
Na sequência fiz parte da rede de ligação da infantaria e participei em quase todas as reuniões do MC e do Movimento das Forças Armadas (MFA).

h) Estando no BC5, que foi a unidade responsável pela garantia de segurança do Rádio Clube Português (RCP) e ocupação do Quartel General / Região Militar de Lisboa (QG/RML) as minhas responsabilidades foram:

a) Defesa da unidade.
b) Controlo da Praça de Espanha.
c) Controle do Parque Eduardo VII e ligação entre a companhia do RCP e a do QG/RML.
d) Apoio logístico às companhias no exterior.
e) Ligação ao posto de comando na Pontinha.

2 - Inquérito / Respostas

1. Sonhava com a dignificação e prestígio do Exército, das Forças Armadas, nomeadamente dos seus quadros permanentes, num quadro de uma cidadania participada, responsável, livre e socialmente mais justa.

2. Embora ainda com carências nos variados domínios da vida em sociedade, é de reconhecer um acentuado desenvolvimento:
• Infra-estrutural.
• Na liberdade individual e colectiva.
• Na existência de mecanismos democráticos na solução de naturais tensões sociais e políticas.
• No acesso à informação.
• Na integração e reconhecimento de Portugal no contexto internacional.

3. O que está pior na minha opinião é:
• A sensibilidade colectiva para a importância de valores morais, éticos, culturais e históricos.
• A visibilidade, naturalidade, aceitabilidade e impunidade na utilização de esquemas de corrupção nos mais variados sectores de actividade.
• A celeridade na aplicação de justiça.
• O desafio da inclusão social

4. Não me parece que o facto da integração na União Europeia (UE) seja, por si só, factor impeditivo de golpes de estado. Parece-me muito mais importante e determinante o facto de virmos desenvolvendo e consolidando um regime democrático assente na legitimidade e legalidade.

5. As opções que implicam rupturas drásticas e profundas têm, naturalmente, o seu “preço” em função da determinação, empenhamento e visibilidade dos intervenientes que as assumem.
É um facto que na sequência do 25 de Novembro de 1975 e talvez durante 10/15 anos, houve militares, oficiais e sargentos, dos três Ramos das Forças Armadas, não tanto pelo seu envolvimento no 25 de Abril, mas mais pelas acções que desenvolveram posteriormente, que pagaram diversos “preços”.
Aliás, a reconstituição das carreiras de alguns, em processo ainda não acabado, é disso sinal de reconhecimento evidente.

6. Ser-se Oficial General ou Almirante, não depende de gostos individuais, mas do reconhecimento de capacidades e competências para o exercício da função. Não indico assim qualquer nome como me foi sugerido.
Estou no entanto convicto que alguns dos destacados elementos do 25 de Abril que não atingiram o generalato, tinham qualidades humanas, intelectuais e profissionais para suplantarem com brilho, as provas de qualificação para Oficial General.

7. A comparação que me sugere entre a geração de generais anteriores e posteriores ao 25 de Abril, não me parece fácil nem pacífica se retirarmos da análise os reflexos do enquadramento dos respectivos regimes a que pertenceram e pertencem.
As Forças Armadas e nomeadamente o Exército, desde sempre deram a maior importância à formação contínua dos seus quadros e à qualificação e selecção dos seus Oficiais Generais. No campo das suas qualidades intelectuais e profissionais de uma maneira geral, não identifico diferenças significativas.
As grandes diferenças não residem nas pessoas, mas nos desafios que hoje se colocam à Acção de Comando ao mais alto nível, resultantes da nova relação institucional com a sociedade e o Estado e dos cíclicos reajustamentos organizacionais. Diria que é mais difícil, sensível e complexo ser-se Oficial General num regime democrático, que Oficial General num regime apoiado e sustentado no seu aparelho militar.

8. Com naturalidade, sem grande surpresa e algumas interrogações sobre a real natureza do seu significado.
Não sobrevalorizando o contexto e o universo quantitativo e qualitativo dos votantes o resultado aconselha estudo e ponderação, pois pode exprimir um sinal de descontentamento e desencanto com a forma como estamos a construir e a actuar na nossa sociedade democrática.

9. Não me parece que o resultado daquele concurso represente, mesmo que simbolicamente, a morte do 25 de Abril.
Como início de um processo de construção colectivo de uma sociedade que se pretende mais livre, mais justa e mais fraterna, escrutinado nas ruas pelo povo Português e confirmado em sucessivas eleições até hoje, o 25 de Abril é um marco sólido de inscrição segura na história de Portugal. O 25 de Abril pode é não estar a ser cumprido a ritmos mais adequados surgindo assim situações passíveis de exploração saudosista por quem se não reveja neste regime.

7. General Franco Charais

1. Dados curriculares

Tenente General do Exército (oriundo da Arma de Artilharia e do Corpo do Estado Maior), na reforma

Tenente-coronel do Corpo do Estado Maior

Comissões em Moçambique e Angola. Curso de Armas Gerais em Zaragoza, Espanha, e missões a França, Bélgica e Inglaterra, África do Sul, Cabo Verde e Guiné.

Colaborei na elaboração do Programa do MFA. Posteriormente fui eleito para a Comissão Coordenadora e Conselho da Revolução. Graduado em Brigadeiro comandei, simultâneamente, a Região Militar do Centro

Não

2- INQUÉRITO

1 - Como militar o fim da guerra. Nas comissões em Moçambique e Angola compreendi que o Portugal pluricontinental não passava de um bluff. Enormes espaços territoriais com riquezas diversificadas não eram acessíveis ás grandes maiorias populacionais. Nem podiam ser desenvolvidas por populações onde grassava o analfabetismo (60% reais entre brancos e 95 por cento entre pretos). Espaços e riquezas que o poder politico não soube ou não quis pôr à disposição das suas populações. Em 25Abr havia no exterior desse Portugal pluricontinental mais de 2 milhões de portugueses continentais e não sei quantos cabo-verdianos, enquanto os portugueses continentais não atingiam 1 milhão nos maiores territórios Angola e Moçambique. A pressão cada vez maior da comunidade internacional contra a nossa guerra, augurava a impossibilidade da sua continuação por muito tempo. Aliás, três importantes frentes de combate e a nossa frágil economia conduziriam à falência do Estado. Em 1974, segundo cálculos em que participei no Estado-Maior do Exército, os meios financeiros postos à disposição das frentes de combate eram cerca de um terço das reais necessidades.
Como cidadão, a melhoria das condições de vida das populações impossível com a elite que nos governava. 50 anos de partido único conduziram as populações a uma situação de semi-miséria intelectual e material, apesar da riqueza humana e material dos territórios que eram dirigidos.
Uma vassourada numa élite semi-centenária poderia arejar a política portuguesa e fazer surgir novos dirigentes que se preocupassem com uma efectiva melhoria das condições de vida dos portugueses

2 – Tudo

3 – Penso que poderíamos estar muito melhores se tivéssemos melhores dirigentes políticos e melhores gestores. Apesar dos nomes que os média tornaram sonantes e que ainda hoje”veneram” e que foram ministros, primeiros ministros ou presidentes da República nenhum conseguiu tirar Portugal da cauda da Europa.

4 – Com certeza que não. Novas revoluções irão surgir a curto ou médio prazo. Terão a ver com a revolta das populações à medida que cada vez mais vão sendo educadas e aculturadas ( Se quiser saber mais sobre o que vivi e penso sobre todos estes assuntos pode ler o meu livro “ O ACASO E A HISTÓRIA”, publicado pela editora Âncora)

5 - Com certeza que sim. Qualquer deles teria como garantidos os postos de general ou, no mínimo, de coronel se não tivessem entrado abertamente no 25Abr. A cúpula dos 3 ramos das Forças Armadas, promovidas depois do 25Abril pelos próprios membros do Conselho da Revolução colocaram-se na posição cómoda de não apreciarem tecnicamente os elementos do Conselho da Revolução. Como resultado, estes iam sendo ultrapassados por militares mais modernos que prestavam o seu serviço no interior das Forças Armadas.

6 – Todos os elementos militares que se empenharam e correram reais riscos na Revolução, principalmente todos os elementos que durante cerca de 7 anos fizeram parte do Conselho da Revolução

7 – Os generais da minha geração serão, sem qualquer dúvida, melhores, mais competentes e melhores preparados, política e tecnicamente, dos que os da geração antes de 25Abril.

8 – Não me interessou o programa pelo que não o acompanhei. À priori não separo a vitória de Salazar da de Álvaro Cunhal. Compreendo-a como uma reacção contra a gestão dos assuntos políticos, económicos e sociais do País. Há uma incerteza sobre o futuro de cada um, se vão ou não perder os seus empregos, se vão ou não ser afastados dos seus habitat, das suas famílias, se vão ter que trabalhar para além das sus previsões e capacidades físicas, se aumentará a insegurança nas ruas, os roubos, etc. Haverá, possivelmente, o desejo da volta de um ditador que ponha ordem nas coisas, ditador de direita para uns e de esquerda para outros. Este concurso, quanto a mim, em nada denegriu o valor dos nossos maiores portugueses.

9 – Penso que Eduardo Lourenço “morrerá” muito mais rapidamente do que o 25Abr quer ele queira ou não.

8. General Luís Ferreira do Amaral

1. Currículo

a) 13/6/1944 em Cativelos - Gouveia

b) Exército - Arma de Infantaria

c) Reserva desde 5/12/ 2005

d) 29 anos – Capitão

e) RI 14 em Viseu

f) Comissões em Moçambique (duas) e Angola já depois do 25 de Abril e até à Independência. (A 1ª Comissão em Moçambique foi na situação de estagiário).

g) Participante desde a 1ª Reunião em Évora e elemento de ligação da estrutura criada.

h) “Mobilização” da Companhia que comandava para a marcha para Lisboa e, juntamente com o capitão Aprígio Ramalho, comando e coordenação do pessoal remanescente no quartel.

2. Inquérito

1. Enquanto militar e cidadão pensava que, face às realidades da guerra e do país, se impunha uma alteração urgente e radical da situação política. Estava consciente das muitas dificuldades que se deparariam no caso de êxito do golpe, mas fiquei surpreendido com a “violência” da luta política. É mais fácil compreender hoje os acontecimentos!

2. Penso que está tudo melhor do que então. Se, eventualmente, algo está pior são os excessos materialistas da sociedade e a competição desenfreada que se verifica em muitos sectores da nossa comunidade. A sociedade poderá estar demasiado aberta ou, então, alguma coisa de errado tivemos na educação dos nossos filhos.

3. Implícito nas considerações anteriores. Se a classe média aumentou quantitativamente, os contrastes com as bolsas de pobreza existentes poderão ter-se agravado.

4. Os golpes existiram, com maior ou menor evidência, entre o 25 de Abril e a adesão à U.E. (CEE). Julgo que para haver golpes, a intenção ou vontade pessoal não bastam. São necessárias uma série de condições objectivas confluentes. O 25 de Abril, os acontecimentos posteriores e a atenção que “o estrangeiro” lhe dedicou “afectaram” a consciência dos militares que se tornaram mais sensíveis aos pensamentos ideológicos. A adesão reforçou as condições objectivas contrárias a qualquer golpe, mas penso que o pico da crise já estava ultrapassado quando ela se verificou. Julgo que não haveria golpes, mas a adesão é, sem dúvida, um dos factores (o principal?) de estabilidade.

5. Julgo que não se pode generalizar. Houve uma fase em que tudo o que respeitava ao 25 de Abril era visto com repulsa. Essa fase foi, felizmente, ultrapassada, em vários casos com dificuldade, e esse sentimento ainda hoje pode ser detectado em número de militares muito pouco significativo. Mas fácil é reconhecer que alguns militares, dos que mais se empenharam no 25 de Abril, mereciam ter ascendido aos postos de General.

6. Não é uma questão de gosto. É uma questão da avaliação de mérito que, como é evidente, não pode deixar de ser pessoal. Poderia referir mais do que um nome, mas temo ser injusto. Por isso, refiro apenas o Coronel Gertrudes da Silva, 1º classificado do meu curso da Academia Militar, cuja competência técnica e qualidades de cidadão considero exemplares. Reitero, contudo, a ideia de que a generalização seria um absurdo.

7. Julgo que tudo se resume a uma questão de carreira e de serviço. Sempre considerei que servir é um privilégio e o conjunto de normas e valores que regem a Instituição podem ter uma só direcção, mas têm sempre dois sentidos. O “carreirismo” rege-se por outras disposições, por isso a diferença entre carreira e serviço. É claro que hoje também há excepções mas, na minha opinião, aqui reside a principal diferença, a que não é alheio o facto de hoje se viver em democracia. Não podemos ignorar o condicionamento que o substrato cultural exerce na actividade pessoal.

8. Com indiferença. Foi uma infelicidade do poder mediático que julgo não ter tido as repercussões que alguns lhe quiseram atribuir. As tentativas de aproveitamento (Museu e PNR) têm dimensão tão reduzida que devem constituir apenas pequenos alertas. Não tendo a dimensão intelectual de Eduardo Lourenço, lamento não poder concordar com ele.

9. General Luís Sequeira

1. Dados curriculares

Peço-lhe que indique:

a) Data e local de nascimento – 23 de Fevereiro de 1947, Angola

b) Ramo e arma – Exército, Administração Militar

c) Situação militar (activo, reserva, reforma, desde quando) – Reserva, desde 2006

d) Idade e posto que detinha em 25 de Abril de 1974 – 27 anos, Capitão

e) Unidade e localidade em que se encontrava – Nampula, Moçambique

f) Número e local de comissões no ultramar e (se for caso disso) de missões no estrangeiro – 1 comissão militar em Moçambique

g) Como exprimiu o seu apoio ao movimento? – Integrando a Comissão do MFA em Moçambique

h) Teve actividade operacional ou outra, organizada, naquele dia? O quê? - Não

2. Inquérito.

1. O que sonhava enquanto militar, enquanto cidadão e enquanto indivíduo, no 25 de Abril?
Viver num país (Portugal) democrático, desenvolvido e com mais justiça social

2. 33 anos passados, o que está melhor em Portugal?
Qualquer daqueles aspectos está melhor, embora o mais frágil seja o pilar do desenvolvimento

3. O que está pior?
A hipocrisia social e a corrupção

4. Acha que se não pertencêssemos à União Europeia já teria havido outro(s) golpe(s) de Estado, entretanto?
Podíamos correr esse risco.

5. Alguns destacados elementos do 25 de Abril não chegaram a generais (Melo Antunes, Fabião e – tudo o indica, mesmo que tivesse vivido muitos mais anos – Salgueiro Maia, para só falar nalguns dos que já morreram).
É evidente que cada caso é um caso. Mas será que se pode dizer que estes e vários outros militares, ainda vivos, pagaram (também) o preço de se terem empenhado demais no 25 de Abril?
Julgo que sim, nuns casos de forma mais evidente.

6. Quer indicar algum nome que gostava de ter visto no generalato (ou como almirante)?
Posso mesmo dizer que os melhores da geração do 25 de Abril – até ironicamente designada de “geração sacrificada” – não passaram do posto de coronel

7. Descontada a enorme diferença de uma viver em ditadura e a outra em democracia, quais as diferenças que vê entre os generais da sua geração e os da chamada “brigada do reumático”?
Pouca diferença

8. Como viu a recente vitória de Salazar como o maior português de sempre, no
concurso da RTP?
Com a mesma indiferença com que observo outros concursos telefónicos das televisões: mais um programa do tipo “salazarento”

9. Acha, como Eduardo Lourenço, que ela representou a morte simbólica do 25 de Abril?
Não acho, mas compreendo a metáfora de Eduardo Lourenço.

10. José Costa Neves

1. Dados curriculares

Peço-lhe que indique:

a) Data e local de nascimento

8 de Outubro de 1940, Caldas da Rainha.

b) Ramo e arma

Força Aérea Portuguesa, especialidade de Engenharia Aeronáutica.

c) Situação militar (activo, reserva, reforma, desde quando)

Reforma, desde 2005.

d) Idade e posto que detinha em 25 de Abril de 1974

33 anos, major.

e) Unidade e localidade em que se encontrava

Direcção do Serviço de Material da Força Aérea, Lisboa.

f) Número e local de comissões no ultramar e (se for caso disso) de missões no estrangeiro

Uma missão de três anos em Moçambique, de Agosto de 1967 a Agosto de 1970.
Antes do “25 de Abril” realizei missões de serviço em França e na África do Sul.

g) Como exprimiu o seu apoio ao movimento?

Participando, desde 1973, nas suas actividades conspirativas e, por fim, nas operações de 25 de Abril de 1974.

h) Teve actividade operacional ou outra, organizada, naquele dia? O quê?

Sim. Fiz parte do grupo de comandos que ocupou as instalações do Rádio Clube Português, em Lisboa, na Rua Sampaio Pina, donde foram emitidos os comunicados do Posto de Comando do MFA.

2. Inquérito

1. O que sonhava enquanto militar, enquanto cidadão e enquanto indivíduo, no 25 de Abril?
Contribuir para a aniquilação da ditadura que então oprimia o Povo português e substituição do regime que a sustentava, condições imprescindíveis para que Portugal pudesse ser livre e democrático, justo e fraterno, moderno e desenvolvido.

2. 33 anos passados, o que está melhor em Portugal?
O Portugal de hoje é, sem sombra de dúvida, incomparavelmente melhor do que o Portugal do Estado Novo, ainda que muito longe do Portugal sonhado em 25 de Abril de 1974 pela generalidade do Povo português, sobretudo pelos mais pobres e injustiçados.

3. O que está pior?
Recentemente, escrevi a este propósito, um texto que julgo que responde à pergunta que transcrevo a seguir em parte:
Infelizmente, trinta e três anos passados sobre o “25 de Abril”, a realização dos sonhos de então está cada vez mais longe. Contrariamente ao esperado, existe uma crescente parcela da população portuguesa a atravessar dramáticas situações de exclusão, pobreza e exploração laboral, que a classe política não tem querido ou sabido evitar. Não se pode continuar a palmilhar passivamente o caminho tortuoso que tem vindo a ser traçado ao longo dos anos por muitos dos políticos portugueses acolitados pelos que parasitam e medram à sua sombra, transformados em aliados objectivos de entidades singulares e colectivas, poderosas e influentes, em detrimento dos legítimos interesses da esmagadora maioria do povo que os elegeu e a quem devem fidelidade, respeito e consideração. É inaceitável que as oportunidades de desenvolvimento e bem-estar trazidas com Abril não estejam a ser aproveitadas pelos decisores políticos para resolver progressiva e decididamente as escandalosas desigualdades sociais, económicas, educacionais e culturais que afligem a Nação.
É urgente erguer a voz contra os que usam e abusam do poder, não para servir, mas para dele se servirem. Precisamos urgentemente de medidas para combater, com determinação e eficiência, a falta de transparência e de rigor na utilização dos bens e recursos públicos, a irresponsabilidade, a incompetência, o compadrio, a corrupção e o tráfico de influências, que favorecem o enriquecimento ilegítimo e dissoluto, enfraquecem perigosamente os fundamentos éticos e morais da nossa ainda frágil democracia e impedem os cidadãos de usufruírem plenamente dos direitos legítimos e constitucionais que conquistaram com a revolução de Abril.
É já altura de reagir com firmeza e convicção contra aqueles que, aproveitando-se da boa-fé dos eleitores, agitam ciclicamente promessas eleitorais para atingir o poder, para logo as esquecer ou negar com as mais esfarrapadas explicações, retomando-as logo que voltam a ser oposição. A esses, é preciso exigir-lhes integral respeito pelos cidadãos que os elegem e comportamento exemplar enquanto governantes, sobretudo quando exigem ao Povo sacrifícios, austeridade e rigor.

4. Acha que se não pertencêssemos à União Europeia já teria havido outro(s) golpe(s) de Estado, entretanto?
De modo nenhum. Independentemente da melhor ou pior governação, julgo que os elementos realmente dissuasores de qualquer tentativa de aventureirismo golpista são, por um lado, o funcionamento saudável da democracia política e, pelo outro, o respeito dos órgãos de soberania pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Só se estas duas condições se deixarem de verificar em simultâneo, poderão sobrevir em Portugal tentativas de golpe de estado.

5. Alguns destacados elementos do 25 de Abril não chegaram a generais (Melo Antunes, Fabião e – tudo o indica, mesmo que tivesse vivido muitos mais anos – Salgueiro Maia, para só falar nalguns dos que já morreram). É evidente que cada caso é um caso. Mas será que se pode dizer que estes e vários outros militares, ainda vivos, pagaram (também) o preço de se terem empenhado demais no 25 de Abril?
A minha resposta é indubitavelmente afirmativa.

6. Quer indicar algum nome que gostava de ter visto no generalato (ou como almirante)?
Não, porque me arriscaria a ser injusto para com alguém. Além disso, alguns do que reuniam todas as condições para atingir o generalato, nem sequer mostraram desejos de lá chegar e afastaram-se de motu próprio da instituição militar. Porém, devo acrescentar que, no caso de utilizar apenas critérios de avaliação comparativa entre os militares de Abril e a generalidade dos militares que chegaram a generais, a minha lista seria enorme. Se, para além desses, introduzisse também critérios de qualidade e vocação para o exercício de funções militares do mais alto nível, a lista talvez diminuísse substancialmente.

7. Descontada a enorme diferença de uma viver em ditadura e a outra em democracia, quais as diferenças que vê entre os generais da sua geração e os da chamada “brigada do reumático”?
As generalizações são sempre perigosas e muitas vezes injustas. Independentemente das críticas pessoais à postura e actuação de muitos generais perante o poder político, especialmente de alguns Chefes de Estado-Maior, não posso deixar de ter em consideração que, como disse na pergunta, hoje vivemos num Estado democrático, no qual, “as Forças Armadas obedecem aos órgãos de soberania competentes, nos termos da Constituição e da lei”. Infelizmente, este facto não me impede de pensar que, se voltássemos à ditadura, haveria muitos generais – e não só - sentir-se-iam muito bem a participar numa qualquer brigada do reumático.

8. Como viu a recente vitória de Salazar como o maior português de sempre, no
Concurso da RTP?
Desiludido, mas, em abono da verdade, pouco surpreendido. Atribuí ao facto a pouca importância que tem uma qualquer consulta de opinião integrada num programa televisivo de mero entretenimento, obedecendo essencialmente a critérios comerciais e de conquista de audiências, desprovidos do rigor científico que deve nortear as sondagens de opinião sérias. Não foram os resultados que estiveram mal, mas, isso sim, o programa em si mesmo. Paciência…

11. General Manuel Monge

1. Dados curriculares

a) Data e localidade de nascimento
18 de Fevereiro de 1938 em Aldeia Nova de S. Bento, Concelho de Serpa

b) Ramo e Arma
Exército e Arma de Cavalaria

c) Situação militar
Na reforma desde Abril de 2002

d) Idade e posto que detinha em 25 de Abril de 1974
Idade – 36 anos. Posto – Major graduado (graduado em Setembro de 1973 na Guiné para assumir o comando do COP5 – Comando Operacional nº 5 em Gadamael Porto).

e) Unidade e localidade em que se encontrava
Em 25 de Abril de 1974, encontrava-me preso na Casa de Reclusão da Trafaria, na sequência do “16 de Março” nas Caldas da Rainha. Viera da Guiné em 2 de Março de 1974, sendo-me atribuída a colocação no Regimento de Cavalaria 6 no Porto, mas no período de licença a seguir à chegada fui mandado apresentar no DGA (Depósito Geral de Adidos), pois era considerado “suspeito” nas movimentações dos “capitães” que o Regime já conhecia.

f) Número e local de comissões no ultramar e (se for caso disso) de missões no estrangeiro
Duas comissões em Angola (1961 a 1963 e 1965 a 1967) e duas comissões na Guiné (1968 a 1970 e 1972 a 1974)

g) Como exprimiu o seu apoio ao movimento?
Desde o início das movimentações em 1973, pertenci ao núcleo da Guiné. Em Dezembro de 1973, estando ainda na Guiné, fui eleito, na reunião de Óbidos, juntamente com os Capitães Miquelina Simões e Salgueiro Maia, para representar a Cavalaria na Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães.

Na reunião de Cascais em 5 de Março de 1974, recém-chegado da Guiné, fui eleito para a Comissão Militar encarregada de preparar o movimento militar operacional para derrubar o regime anti-democrático.

Em 16 de Março de 1974, tendo tomado parte na acção militar desse dia, fui preso com o Major Casanova Ferreira e os militares do RI 5 envolvidos na acção.

Na noite de 15 de Março ao irmos, eu e o Major Casanova Ferreira para as Caldas da Rainha, fizemos apear o então Major Jaime Neves que nos acompanhava e tinha ido comigo ao Regimento de Cavalaria 7, tentar aliciar o Comandante daquela Unidade.

Perante a ameaça de insucesso já previsível, convinha que o menor número possível dos nossos elementos fosse neutralizado.

h) Teve actividade operacional ou outra, organizada, naquele dia? O quê?
Como atrás referi, no 25 de Abril estava com outros camaradas preso na Trafaria. Só fomos libertados cerca das 17 horas, pois o Esquadrão de Estremoz que vinha, através do Capitão Miquelina Simões, para nos libertar na manhã do dia 25 de Abril, teve que ser desviado para a zona do Carmo para apoiar as forças da EPC comandadas pelo Capitão Salgueiro Maia entretanto envolvidas por forças da GNR.

Só fomos libertados por uma força da EPA (Escola Prática de artilharia) comandada pelo Capitão Jorge Palma Mira, pertencente à Bateria de Artilharia que tomara posição na zona do Cristo Rei. Os camaradas da EPA enervavam-se com as dificuldades de existir uma força disponível par nos ir libertar à Trafaria, nomeadamente com as hesitações e recusa do Comandante do Destacamento de Fuzileiros presente no local e assim resolveram expeditamente, ir buscar-nos à prisão.

Saídos da Trafaria, fomos para o Posto de Comando da Pontinha e nessa noite comandei as forças da EPC que ocuparam os Regimentos de Cavalaria 7 e Lanceiros 2 e instalaram nos mesmos, dois novos Comandantes da confiança do Movimento.

2. Inquérito

1. O que sonhava enquanto militar, enquanto cidadão e enquanto indivíduo, no 25 de Abril?
Como militar e cidadão sonhava com um regime democrático e livre em Portugal e desejava uma solução para a guerra de África que fosse proveitosa para Portugal e para os povos africanos das então Províncias Ultramarinas.

2. 33 anos passados, o que está melhor em Portugal?
O que está melhor em Portugal é o Portugal.

3. O que está pior?
Não considero haver algo pior. Acho porém que estamos mal nalguns aspectos. Não ganhámos (ainda) o desafio da educação e da formação profissional, temos graves dificuldades económicas e temos uma baixa auto estima no nosso povo. Mas a culpa não é do “25 de Abril”. E a liberdade e democracia são valores que em meu entender, não podem ser postos num dos pratos de qualquer balança.

4. Acha que se não pertencêssemos à União Europeia já teria havido outro(s) golpe(s) de Estado, entretanto?

Um golpe de Estado em regime democrático? Feito por quem e contra quem?
A extrema-esquerda, passado o aventureirismo do Projecto Global /FP25, não tem verdadeira expressão.

A nossa extrema-direita para além de acções xenófobas, que mais consegue fazer?
No arco democrático não há certamente vocações totalitárias, principalmente depois da queda do Muro de Berlim.
Um golpe de Estado precisa de militares para o fazer. No regime de Abril, e suas Forças Armadas, não há militares com essa vocação, por muito desgostosos que se sintam pelo modo como muitas vezes se vêem tratados e (des)considerados.

5. Na minha opinião nenhum militar foi prejudicado na sua carreira “por se ter empenhado demais no 25 de Abril”. Depois do “25 de Abril” – golpe de Estado para derrubar a ditadura - surgiram processos revolucionários de extrema-esquerda e da esquerda não democrática que quiseram implantar regimes que não respeitam a liberdade. Alguns militares empenharam-se demais nessas lutas políticas e para os seus pares/camaradas “desperfilaram-se”. Mas a esmagadora maioria deles, mesmo sem tal desvio, não tinham perfil e historial para aspirarem a uma carreira militar com ascensão aos mais altos postos. Talvez daí a deriva revolucionária.

Os militares tinham tido uma guerra de 13 anos que os hierarquizara entre si.
Melo Antunes, um militar de grande preparação política e certamente um homem de cultura, era um militar mediano em termos castrenses. Fabião, militar brilhante, elemento prestigiado da e na “ala spinolista”, foi General graduado de 4 estrelas quando Chefe do Estado-Maior do Exército. Mas no “25 de Novembro” ficou no lado errado e, “ai dos vencidos”, terminou aí a sua carreira militar.

Salgueiro Maia, era, desde a guerra de África, um “bravo capitão”. Basta ler o texto do diploma que lhe atribui a título póstumo o Colar de Grande Oficial da Torre e Espada. Usá-lo como bandeira dos frustrados e medíocres não é justo. Salgueiro Maia não mostrou pela primeira vez na manhã do 25 de Abril a sua coragem. Por ela e as suas outras virtudes militares já anteriormente afirmadas, é que lhe foi confiado, pelos seus camaradas, o comando da coluna da EPC. Se fosse vivo e tivesse querido, Salgueiro Maia teria sido General.

6. Não quero indicar nomes de camaradas injustiçados. Vários o foram, mas pela injustiça dos homens (os chefes militares da altura), por questões pessoais e outras. Mas não pelo “25 de Abril”. Realço que após o “25 de Abril” e pela década de 80 em diante, as promoções dos oficiais eram propostas pelos Conselhos das Armas, estrutura eleita democraticamente no seio das diversas Armas e Serviços. Aqui o prestígio e a história militar de cada oficial era o que contava.

Com o fim dos Conselhos das Armas, o processo mudou. Mas também mudara entretanto o modo de fazer “curriculum”. A guerra e o “25 de Abril” começavam a estar longe.

7. A comparação será abusiva. Mas convém lembrar que a “servidão militar” conduz à obediência e ao respeito pelo poder político. Se ele é democrático tudo bem. Se não é, justifica-se a revolta e logo os “25 de Abril”.

8. Fui dando pouco significado ao concurso. Mas algum tem. Entraram em confronto diversos interesses, facções e visões do Portugal recente. Até a presença de Aristides de Sousa Mendes entre os primeiros, demonstra o equívoco. Ele merecia certamente estar entre os melhores portugueses. Mas não entre os maiores. Para mim, o maior Português de sempre é El-Rei D. João II. Que não era propriamente muito bonzinho.

9. Não poso concordar com a opinião de Eduardo Lourenço. O “25 de Abril” não esteve politicamente representado no embate final.

O político que representa o “25 de Abril”, Mário Soares, está, como ele próprio diz, “de nojo”. O povo português não lhe perdoou ter descido do nimbo onde já o alcandorara e voltar à luta política.

O que foi, para alguns dos seus próximos, uma prova de coragem e disponibilidade, não agradou à maioria dos Portugueses. Certamente lhe irão perdoar mais tarde e recolocá-lo no lugar da memória histórica e colectiva que merece. Mas possivelmente talvez só depois da sua morte.

Não estando presente Mário Soares assistiu-se a um ajuste de contas entre o “24 de Abril” da ditadura orgânica, nacionalista e corporativa (hesito em apelidá-la de fascista) e o “26 de Abril” do projecto de ditadura do proletariado, internacionalista e pró-soviética. Entre as duas venha o diabo e escolha. E o diabo escolheu. Não fiquei muito surpreendido. O processo mediático de diabolização de Salazar e de santificação de Cunhal, também teve no concurso alguma resposta. Mas o “25 de Abril” como eu o entendo, o meu, não pode sofrer mortes, mesmo simbólicas. Enquanto em Portugal, aquilo que ele trouxe, estiver vivo – a Liberdade.

12. Almirante Victor Crespo

1. Dados curriculares

a) Data e local de nascimento
21.03.1932, Porto de Mós, Distrito de Leiria

b) Ramo e arma
Marinha, Classe de Marinha

c) Situação militar (activo, reserva, reforma, desde quando)
Reforma desde 21.03.1997

d) Idade e posto que detinha em 25 de Abril de 1974
42 anos. Capitão-Tenente

e) Unidade e localidade em que se encontrava.
Gabinete de Estudos da 2ª Repartição da Direcção do Serviço do Pessoal- Alfeite

f) Número e local de comissões no ultramar e (se for caso disso) de missões no estrangeiro

3 comissões no ultramar; cerca de 3 anos em comissões em Inglaterra e Alemanha, e muitos contactos com os países da NATO em comissões de embarque.

g) Como exprimiu o seu apoio ao movimento?

Colaborei na definição dos objectivos do modelo político do Movimento; participei na organização clandestina, inclusivamente com reuniões
em minha casa, e fui eleito ainda na clandestinidade Presidente da Comissão Política e da Comissão Militar da Marinha.

h) Teve actividade operacional ou outra, organizada, naquele dia? O quê?
Fui o comandante operacional das acções da Marinha no 25 de Abril e colaborei na acção de comando exercida do PC da Pontinha.

2. Inquérito

1. O que sonhava enquanto militar, enquanto cidadão e enquanto indivíduo, no 25 de Abril?
Enquanto militar sentia ser um imperativo militar derrubar o regime.
Reconhecidos indubitavelmente os graves erros da sua política, a sua ilegitimi-
dade e demonstrada a incapacidade das forças políticas o fazerem cair por via
eleitoral ( ou outra ), essa responsabilidade nacional transferia-se para a Instituição
Militar.
Enquanto cidadão ambicionava para o meu país a liberdade, com um regime político
democrático onde se pudesse construir um futuro de progresso humano em todos os
domínios, com respeito e culto de valores, desenvolvimento económico, harmonia,
bem estar e justiça social. Enquanto indivíduo sentia estar a cumprir um dever.

2. 33 anos passados, o que está melhor em Portugal?
A liberdade, o bem mais precioso de Abril, condição essencial da vida, continua consagrada constitucionalmente e na lei e com um grau prático de constrangimentos que julgo diminuto.
O regime político, passível de transformações que lhe melhorem a eficácia, é democraticamente representativo da vontade da população organizada em partidos políticos.
A paz. Melhoraram estrondosamente as relações internacionais e a dignidade do país no conceito das nações.
Os direitos dos trabalhadores, a segurança social e o serviço nacional de saúde constituem marcos assinaláveis de progresso quando comparados com os existentes antes de Abril.
O nível geral de vida da população, medida em termos de PIB per capita é muito superior ao de 73, embora nos últimos anos não se tenha verificado o mesmo grau de crescimento.
É de assinalar o enorme progresso da massificação do ensino, acabando com o analfabetismo e a ignorância de vastíssimas camadas da população que a ele não tinham acesso.
Embora com acções pontuais criticáveis, eventualmente com lacunas, são progressos de Abril a legislação de protecção da natureza e as políticas de ambiente seguidas.
Por último, mas não o de menor importância, o grau de desenvolvimento atingido nas infra-estruturas nacionais, habitação, água, saneamento, distribuição de energia, acessibilidade e telecomunicações, acabando com um inaceitável atraso, com graves reflexos na vida das populações e no desenvolvimento económico.

3. O que está pior?
Tudo está melhor depois de Abril. Nada se tornou pior depois de Abril. Devem no entanto assinalar-se alguns aspectos cuja melhoria teria permitido um maior progresso:
Um mais amplo e sentido debate nacional sobre os valores que enformam as concepções de vida e as políticas propostas pelos partidos teria trazido um mais activo e consciente empenhamento dos cidadãos na construção de uma sociedade mais justa e evoluída.
Um mais aprofundado e exigente culto da cidadania, com especial relevo para o respeito pelas normas legais e pelos direitos dos outros, produziria maior sentido de responsabilidade individual pelo trabalho que produz, pela res pública e pelo progresso do país.
.A falta de coragem verificada durante e a seguir ao PREC para afirmar que o progresso traz afirmação de direitos e conquista de regalias, mas também exigências de comportamento individual e responsabilidades sociais.
O fraco sentido de autoridade e responsabilidade, assumido em muitos casos pelos eleitos do poder democrático, tanto a nível nacional como autárquico, com efeitos anti-didácticos e a má imagem para os políticos. Situação que afasta do poder cidadão de inquestionável valor nacional
A ineficácia da justiça.
A falta de qualidade de algum ensino
E finalizo assinalando de novo como principal entrave ao desenvolvimento os profundos atrasos que o país sofria em muitos domínios antes do 25 de Abril e que foi necessário ir ultrapassando.

4. Acha que se não pertencêssemos à União Europeia já teria havido outro(s) golpe(s) de Estado, entretanto?
Não, se o país tivesse permanecido em liberdade e com um regime democrático.
A legitimidade da Instituição Militar para intervir politicamente deriva do seu sentido do interesse nacional e só pode ser exercida como aconteceu em 25 de Abril face à demonstrada ilegitimidade democrática do poder constituído e da demonstrada incapacidade das forças políticas (civis) para assumirem o poder democrático.

5. Alguns destacados elementos do 25 de Abril não chegaram a generais (Melo Antunes, Fabião e – tudo o indica, mesmo que tivesse vivido muitos mais anos – Salgueiro Maia, para só falar nalguns dos que já morreram).
É evidente que cada caso é um caso. Mas será que se pode dizer que estes e vários outros militares, ainda vivos, pagaram (também) o preço de se terem empenhado demais no 25 de Abril?

Não tenho dúvidas em afirmar que muitos militares de Abril e porventura alguns dos mais importantes actores da revolução, viram as suas carreiras prejudicadas pelo seu empenhamento na defesa dos ideais de Abril. Alguns nem mesmo a compensação do reconhecimento público tiveram.
Há porem situações muito diferentes e não podemos tipificá-las todas. Vejamos as principais:

• Militares que no quadro dos ideais de Abril tinham uma visão politica diferente, ou mais radical daquela que foi considerada como a original e que fez vencimento em 25 de Novembro. Quando assumiam posições de chefia militar ou de acção política foram afastados ou viram as suas carreiras muito penalizadas.
• Militares que no quadro dos ideais de Abril e não se afastando muito da linha oficial exerceram muita militância política ou estiveram demasiado empenhados na defesa desses ideais enquanto militares na efectividade de serviço, foram prejudicados nas suas carreiras em nome da chamada normalização da vida militar na fase do chamado"regresso dos militares aos quartéis"
• Depois do 25 de Novembro, aquando do regresso da hierarquia que não tinha pertencido ao 25 de Abril aos postos de comando, pseudo legitimada pela sua adesão aquele movimento, houve bastante revanchismo. Muitos militares de Abril viram injustamente as suas carreiras prejudicadas ou foram perseguidos só pelo facto de, como dizia com graça Salgueiro Maia, estarem "implicados" no 25 de Abril. Em data relativamente recente houve legislação destinada a compensar os prejuízos causados nas carreiras dos militares de Abril, mas nada pode compensar injustiças tão profundamente sentidas, ou a destruição de carreiras de militares que, só pelo facto de o ser, sentiram o dever de restituir a liberdade e os direitos aos seus concidadãos. Ainda sobre os nomes indicados, sem deixar de reconhecer as qualidades de Melo Antunes para o generalato e a justiça que teria constituído a sua promoção por distinção, julgo que pessoalmente não se sentia atraído pelo exercício da função, interessava-se por outras actividades que pelo menos em parte veio a exercer. Já no que respeita a Carlos Fabião a injustiça foi total. Tinha todas as qualidades para a promoção e só por revanchismo político não foi promovido. Não sei se Salgueiro Maia não teria acabado por ser promovido. Há qualidades que como o azeite na água acabam sempre por vir ao de cima, e as de Salgueiro Maia eram tantas e tão relevantes que julgo impossível não se imporem aquando da apreciação.

6. Quer indicar algum nome que gostava de ter visto no generalato (ou como almirante)?
Gostaria de referir dois ou três nomes da Marinha que me parecem evidentes.Mas como escolher é uma operação muito melindrosa, não arrisco ferir alguém que não citasse, a propósito de uma mera consideração hipotética.

7. Descontada a enorme diferença de uma viver em ditadura e a outra em democracia, quais as diferenças que vê entre os generais da sua geração e os da chamada “brigada do reumático”?
Os de hoje são em geral militarmente mais competentes, mais empenhados profissionalmente e com maior capacidade de decisão. Os militares de Abril em geral gostavam de os ver com mais frontalidade e independência face ao poder político na resolução dos problemas dos militares (não se leia subordinação ao poder político que não está em causa)

8. Como viu a recente vitória de Salazar como o maior português de sempre, no concurso da RTP?
Como uma afronta. Pese embora o resultado do concurso não ter nenhum significado estatístico, há erros que uma televisão nacional não pode cometer. Os efeitos de uma polémica de comunicação social - Sporting Benfica ou Salazar Cunhal - deixam sempre marcas. Estas são injustas e contrariam tudo o que se sabia, e é bom que se apure de maneira segura, sobre o sentimento nacional relativamente ao 25 de Abril.

9. Acha, como Eduardo Lourenço, que ela representou a morte simbólica do 25 de Abril?
Não, o 25 de Abril foi um fenómeno de tamanha profundidade na vida nacional que a história lhe conservará a relevância. Não posso acreditar que este país, por mal que alguma vez viva, olhe com saudade para o tempo do Estado Novo.

13. General Fernando Aguda

Nota: Este general, capitão na EPI em 1974, entendeu não dever responder ao inquérito, invocando um velho compromisso entre os capitães que fizeram o 25 de Abril naquela unidade. Enviou, contudo, para o PÚBLICO um texto que autorizou a ser publicado e que assina por “Um Jovem de Abril".

Os Generais do 25 de Abril são um espaço no qual me é impossível penetrar para emitir opinião. Percebo que pretende aglutinar os Oficiais que tendo outros postos e concretizaram o Golpe Militar do 25 de Abril chegaram a General. De entre eles haverá os que tinham progredido na carreira e já eram Oficiais Generais, de qualquer dos Ramos, e aqueles que foram Graduados, por óbvias razões, no desenvolvimento do processo do 25 de Abril.
Se me permite, não abordaria o seu perfil e muito menos o seu desempenho de então, pois pouco conhecia uns e outros. Aos de desenvolvimento natural da Carreira pouco acrescentaria com qualquer opinião e muitos já partiram! Dos outros, daqueles que foram graduados, penso que lhes devo o respeito pessoal e profissional devido aos Homens que tudo fizeram para saber fazer e para saber o que faziam, em época muito dura de entender e de desenhar rumo ao porvir. Devo-lhes o meu respeito, mas, de entre eles um há que nunca entenderei naquela que foi a sua evolução sem barreiras nem pontos definidos de caminho e chegada. Admirei-o como estratega e Major que era. Esqueci-o como Oficial General Graduado...

Daquilo que penso sobre os Anos passados, sinto que valeu a pena. Nunca nada estará perfeito porque os Homens e os políticos não o são. As dificuldades acumuladas, durante anos, para impulsionar um País para a frente - após tantos anos de satisfação assumida e indisfarçada de estarmos orgulhosamente sós, teriam que ser pagas. Não bastava acumular ouro, era preciso que esse acumular não fosse uma atitude semelhante à do " Tio Patinhas ".

Antes de olhar para estes tempos próximos passados, desde 1974 e na época do Abril em Portugal, devo recordar, a mim próprio, que entendo o presente à luz da nossa incapacidade de acautelar o passado, sobretudo quando devíamos ter sabido compreender Bandung...Perdemos a capacidade estratégica de ler os ventos da história que foram uma brisa avisadora em 1885, na Conferência de Berlim, e provocaram Tsunami sem terramoto visível, em 24 de Abril de 1955, no encerramento da Conferência de Bandung!

Dos tempos de Abril de 1974, até hoje, pesem embora erros de percurso oportunamente corrigidos, acho que valeu a pena. A nossa Terra - a Nossa Pátria, a Terra dos nossos Pais, não é um oásis na arena internacional mas é um País diferente para melhor e mais livre transversalmente. Tempo virá em que será mais equilibrado e justo socialmente, mais capaz de ser cá dentro aquilo que é lá fora!...
Alguns dos Jovens armados com armas de fogo, apoiados por milhares de portugueses desarmados destas mas armados com uma força telúrica, voltariam a conduzir o mesmo processo. Era preciso mudar Portugal, estratégica e afectivamente.

Aqueles que iniciaram o processo militar e arriscaram a participação num Golpe de Estado, sabiam que o aroma dos tempos , mais tarde ou mais cedo iria impelir para uma mudança e para uma revolução. Decidiram que entre outros momentos possíveis, o momento adequado tinha chegado e era a hora de executar. E foi ver um Oceano Salgado de Gentes, muitos com lágrimas de serena confiança a bailar nas Almas comungar um desejo comum, o de caminhar noutro rumo político e a inundar as ruas de Portugal dizendo isso mesmo!

Abril só sofre contestação por parte daqueles que mais não entenderam que o dogma antigo de que "era assim" e enjeitaram a nova verdade de "ia ser de uma outra maneira".
Muitos dos portugueses não esqueceram aquele fresquinho da esperança matutina, esperança saudável e decisiva que naquela data os invadiu os fez acreditar que iriam conduzir a melhor porto da cena internacional a Caravela há tanto tempo ancorada no cais da "espera forçada"!

Falar dos homens militares que "chegaram" a Generais depois de escrita esta nova página da nossa longa e benquista História, jovem de 800 anos, poderá configurar um erro de respeito para com aqueles que não sendo militares foram Generais na sua atitude, dádiva e contributo para a mudança.

Da Escola Prática de Infantaria (EPI) saíram muitos militares para participarem nesta viragem histórica. Cerca de 400!...Todos eles Soldados, todos eles Idealistas, todos eles Generosos. Alguns viram desenvolvida a sua carreira profissional até General.
Generais de Abril, da EPI, de outra Unidade ou Escola e do Quotidiano de cada Português, são, salvo melhor opinião, todos os Portugueses que se empenharam e deram o seu quinhão para tornar possível e irreversível o Abril Florido!
Valeu a pena sentir o Coração apertadinho naquela data de 25 de Abril de 1974 e soube bem o salgado sabor de uma qualquer lágrima de Felicidade que rolou livre, segura e honrada pela Face de portugueses de Bem!

Assina, por lhe ter sido pedido,

"Um Jovem de Abril"

 
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