O Caminho Menos Percorrido
M. Scott Peck
A vida é difícil.
Eis a primeira frase do livro que inaugura a colecção XIS.
Mais do que a primeira frase, a primeira grande verdade e, porventura,
a maior de todas as certezas com que somos confrontados, dia após
dia.
A vida é difícil e ponto final. Scott Peck resume numa frase
breve todo o conteúdo do seu livro e grande parte da nossa existência.
Um dos erros mais comuns e, quem sabe, a fonte de todos os equívocos
reside na não aceitação, à partida, de que
a vida é difícil. Para não perpetuar o equívoco
nem laborar sobre o erro, Scott Peck parte justamente desta realidade
real e empenha-se em mostrar que podemos aprender a lidar com as dificuldades.
E é este espírito construtivo que faz toda a diferença
ao longo do livro.
Comecemos pelo princípio, citando
o próprio autor:
“ A maior parte das pessoas não vê inteiramente esta
verdade de que a vida é difícil. Em vez disso, lamenta-se
mais ou menos incessantemente, ruidosa ou subtilmente, da enormidade dos
seus problemas, encargos e dificuldades, como se a vida fosse fácil
de um modo geral, ou como se a vida devesse ser fácil”.
Na realidade todos sabemos, por experiência própria, que
não é fácil viver um dia atrás do outro. Como
escreveu Pedro Paixão num dos seus livros, “Viver todos os
dias, cansa”.
E é porque cansa e porque não é fácil que
“O Caminho Menos Percorrido” se revela um livro tão
precioso. Porque não dando soluções nem apresentando
fórmulas, enuncia pistas e oferece ajudas muito efectivas.
Essencial e intemporal, este best-seller
atravessa gerações inteiras e cruza todas as idades, credos
e condições sociais. Percebe-se o sucesso logo no início,
quando Scott Peck esclarece algumas evidências que, por serem tão
evidentes, nos passam despercebidas.
Acontece-nos facilmente ignorar alguns problemas ou tentar contorná-los,
sem os resolver. Fingir que não existem ou esperar que desapareçam
é uma atitude demasiado comum e universal. Ora o que Scott Peck
sublinha, de uma forma muito simples e directa, é que os problemas
não desaparecem só porque os ignoramos. Muito pelo contrário,
acentuam-se e eternizam-se.
“É no processo de confrontação e resolução
de problemas que a vida adquire significado (...) os problemas apelam
à nossa coragem e sabedoria; na verdade, criam a nossa coragem
e sabedoria. É unicamente devido aos problemas que crescemos mental
e espiritualmente”.
Scott Peck tem a virtude de falar de coisas
elementares de uma maneira muito clara e extraordinariamente simples.
Seja na elaboração teórica ou na exemplificação,
a partir da sua própria experiência de psiquiatra e terapeuta
familiar, tudo n’O Caminho Menos Percorrido é inspirado e
inspirador.
Na realidade Scott Peck sabe que todos temos tendência para evitar
a dor e o sofrimento e, neste capítulo particular, fala daquilo
a que chama ‘procrastinar’ e se traduz por adiar:
“Esta tendência para evitar os problemas e o sofrimento emocional
que lhes é inerente é a base primária de toda a doença
mental humana (...). Alguns de nós irão a extremos para
evitar os problemas e o sofrimento que causam, ultrapassando tudo o que
é claramente bom e aconselhável para encontrar uma saída
fácil”.
O espectro de fantasias que criamos para
evitar o sofrimento é quase infinito e, só para exemplificar,
vai das tentativas mais ou menos conseguidas para permanecermos jovens
a vida inteira, ao uso e abuso de drogas ou alcool, passando por todo
um conjunto de escolhas e atitudes que criam a ilusão de que certos
problemas não existem ou não são para ser levados
a sério.
Por tudo isto e porque todos temos ‘direito’ ao sofrimento
(no sentido em que o sofrimento traz dor mas também traz em si
a possibilidade de crescimento interior), Scott Peck declara que é
importante aprender e ‘ensinar aos nossos filhos a necessidade do
sofrimento e do seu valor, de enfrentar directamente os problemas e passar
pela dor que acarretam’. Numa palavra, é preciso ensinar
a disciplina. Só através da disciplina é possível
deixar de adiar aquilo que nos faz sofrer.
No capítulo Disciplina e, depois,
sobre o Amor, Scott Peck é de uma eloquência total. Apetece
sublinhar tudo aquilo que diz e, em certas páginas, demorar e pensar
com tempo aquilo que nos está a dizer.
Quanto ao capítulo ‘desenvolvimento e religião’
pode revelar-se polémico e, até, pouco consensual. O importante,
neste campo, é ler com abertura de espírito e valorizar
aquilo que, para nós, tem mais valor. Aqui e ali Scott Peck compromete-se
com uma linha espiritual que pode não ser a nossa e isso cria alguma
resistência interior. Em todo o caso também nesta parte do
livro o autor é corajoso e chama as coisas pelos nomes.
No último capítulo,
a que chamou ‘a Graça’ Scott Peck enuncia vários
exemplos e testemunhos de fé (num sentido abrangente e não
estritamente como fé religiosa) na vida para provar que “o
nosso desenvolvimento como seres humanos é assistido por outra
força que não a nossa vontade consciente”. E é
por ser tão abrangente, tão actual e tão incisivo
em todos os temas que aborda, que ficou muito claro para nós que
Scott Peck seria o autor ideal para inaugurar uma colecção
XIS, composta de bons livros para pensar.
O autor e o livro
Psiquiatra norte americano, formado em Harvard e Case Western
Reserve, Scott Peck ocupou vários cargos administrativos no governo
americano e fez clínica privada de psiquiatria. Vive no estado
de Connecticut e, actualmente, sofre de cancro estando, por isso, mais
retirado e indisponível para dar entrevistas.
Publicou O Caminho Menos Percorrido há 25 anos e, desde o ano de
1978 O caminho Menos Percorrido tem sido um livro de passa-palavra, que
começou por vender algumas dezenas e, neste momento, vende milhões.
O autor reconhece que “foi um sucesso principalmente por ser um
livro do seu tempo” mas talvez a melhor definição
passe por esclarecer que o próprio Scott Peck foi um homem capaz
de ler e interpretar os sinais dos tempos.
Apesar do sucesso e dos embaraços da fama, o autor atravessou décadas
inteiras sem abrir mão daquilo que, para ele, sempre foi essencial
e se resume a ter tempo para a família, para os amigos, para os
‘seus’ doentes e para si mesmo. Casado, pai de filhos e avô
de netos, Scott Peck soube sempre preservar a sua intimidade e resguardar
aqueles que lhe eram mais queridos.
Sobre o livro, escreveu que “não é perfeito”
e admite que é “totalmente responsável pelas suas
imperfeições”. Uma vez que se trata de um livro que
ajuda a pensar mais e melhores maneiras de viver a vida, também
ajuda saber que o autor não se acha perfeito. Nem sequer o facto
de ser um especialista particularmente dotado no tratamento e acompanhamento
dos doentes e ter talento de sobra para traduzir por palavras simples
a complexidade da psiquiatria e psicologia, lhe deram a ilusão
de ser perfeito. Que alívio.
|