Aonde Quer Que Eu Vá
Jon Kabat-Zinn

Aonde Quer Que Eu Vá. Só muito lenta e gradualmente é que a medicina ocidental começou a abrir portas a outro tipo de métodos e técnicas terapêuticas e a voltar a ser a aquilo que sempre foi: uma arte. A grande fé ocidental que se depositou na ciência dita objectiva fechou- a na sua verdadeira tradição: observação empírica, experimentar e lançar mão de tudo um pouco para proporcionar uma vida melhor ou salvar alguém. Era essa tradição que, nos seus primórdios, a medicina ocidental partilhava com as medicinas das várias regiões do planeta. Procuravam-se princípios activos na natureza e experimentavam- se. A noção de medicamento surge assim.

A fórmula do filósofo Paul Feyerabend, anything goes , que equivale a dizer que há uma espécie de valetudo na ciência, embora não desprovida da responsabilidade necessária para romper com o método tradicional e se poder avançar em ciência, aplica-se mais do que nunca aos tempos que correm. Cada vez mais é necessário espírito de abertura e humildade para sabermos que não estamos na posse de todo o saber e que por vezes é preciso seguir caminhos pouco usuais.

Treino mental. Foi o que fez o médico americano Jon Kabat-Zinn, quando há alguns anos começou a utilizar as técnicas de meditação oriental como método terapêutico no controlo do stress. Como é sabido, o stress é uma das maleitas mais nefastas da nossa sociedade, causador de sintomas incómodos e, por vezes, desencadeador de doenças graves e mortais. Foi este o preço que tivemos que pagar pela aceleração tecnológica das sociedades modernas.

Durante os estudos que efectuou no centro clínico da Universidade de Massachusetts, este médico apercebeu-se das melhoras que os pacientes com stress agudo, dores crónicas, ansiedade e outro tipo de perturbações diversas, alcançavam através da prática de meditação. Com o correr do tempo verificou que o stress e as dores tendiam a minimizar-se e até mesmo a desaparecer.

Na realidade, meditação é a palavra que utilizamos para traduzir bhavana , um termo de palí (a língua original de Buda) que significa “desenvolvimento através de treino mental”. O nosso cérebro é um órgão poderosíssimo e, como tal, precisa de exercício regular. A meditação proporciona esse exercício e tem a capacidade de parar os ciclos viciosos dos pensamentos que nos descentram do nosso ser e nos atiram para as expectativas do futuro ou para traumas do passado, deixando o presente absolutamente esquecido.

Existe uma preciosa regra filosófica que diz que o presente é tudo o que existe. Os gregos já sabiam disto. Zenão de Eleia, há 26 séculos atrás, intuía-o já quando negava a ideia de movimento, dizendo que o que existia era uma sucessão de momentos presentes que tendia para o infinito, daí as suas aporias em que a flecha nunca chega a atingir o alvo e Aquiles nunca consegue alcançar a tartaruga. Mas a nossa tradição de pensamento acredita em absoluto na ideia de progresso, na ideia de que tudo tem de ser feito em função de um fim e que o presente nunca é suficiente.

Viver o presente. O livro desta semana, Aonde Quer Que Eu Vá, parte dessa ideia central. “Aonde quer que eu vá eu já lá estou”, ou seja, não há como fugir do presente e toda a projecção para o futuro é puramente ilusória. O autor parte deste princípio para convidar o leitor a parar, a respirar e a abandonar-se ao presente para passar a ser. O presente tem essa qualidade infinita de que Zenão falava. Respirando lentamente, sentado na postura correcta e concentrando- se num só ponto, fazendo parar todo o pensamento, a meditação é um exercício mental que, aos poucos, ajuda a alcançar maior paz interior, a lidar com o quotidiano e a ter uma maior consciencialização do mundo que nos rodeia. E de nós próprios.

A obra está estruturada como um manual, descrevendo um a um os passos para se iniciar na técnica de meditação, alguns dos elementos a que se deve prestar atenção e conselhos sobre postura e propostas de exercícios. Meditar é um fim em si mesmo, alerta o autor. Não se deve meditar para alcançar objectivos, para ficar melhor, para ter melhor rendimento profissional. Nem se deve confundir com técnicas de relaxamento ou de “pensamento positivo”.

A estas e outras confusões o autor vai dando resposta, definindo a especificidade da meditação, como praticá-la e encorajando o leitor a não desistir logo às primeiras tentativas. Os resultados não são imediatos. Trata-se de um longo e lento caminho que, no entanto, tem a capacidade de repor o equilíbrio mental, espiritual, físico e de bemestar, resumindo, de proporcionar uma melhor saúde.

O AUTOR

Jon Kabat-Zinn é um dos mais prestigiados médicos americanos na área de medicina preventiva. Desenvolveu trabalhos em torno da relação entre médico e paciente. Mais tarde fundou a famosa Stress Reduction Clinic no Centro Médico da Universidade de Massachusetts, dedicada à investigação das patologias, da prevenção e do diagnóstico de stress. A sua investigação tem incidido essencialmente na interacção entre corpo e mente como método para alcançar a cura ou alívio. Há resultados comprovados, sobretudo junto de pacientes que sofrem de dor crónica, doenças crónicas e stress psicossocial. Na sua pesquisa utiliza várias técnicas, entre as quais a meditação zen, que também ensina aos seus pacientes.