Tudo o que Temos cá Dentro
Daniel Sampaio
Tudo o que Temos cá Dentro. É
difícil escrever sobre um livro tão comovente, tão
completo e tão bom. Qualquer coisa que se diga ficará sempre
muito aquém do que merecia ser dito. Daniel Sampaio resumiu no
título a substância deste seu livro: tudo o que temos cá
dentro. Tudo, mesmo.
Pensamentos, sentimentos, dúvidas, certezas, sobressaltos, medos,
sonhos, pavores, silêncios, abismos, lágrimas e risos. Tudo
aquilo de que somos feitos e, ainda, tudo aquilo que gostaríamos
de saber fazer.
Amor e morte. Partindo da história
real de dois adolescentes, um rapaz e uma rapariga que se conheceram e
amaram, Daniel Sampaio conduz-nos pelo imenso labirinto das emoções.
Fala de amor e de morte. A rapariga suicidou-se e o rapaz nem sabia se
podia dizer que eram namorados. Tinha dúvidas, até, se a
amava verdadeiramente.
A morte da Rita perturbou o Nuno e ele pediu ajuda. Fez o caminho para
trás e foi e voltou as vezes necessárias para se reencontrar.
E para perceber que o seu amor afinal era mais forte do que imaginava.
Rita deixou uma carta e o carro ao Nuno mas ele nunca foi capaz de o ir
buscar à porta de sua casa. A perda era mais dolorosa do que ele
podia suportar porque o avô que lhe fazia tanta falta também
se suicidara.
Dizer mais sobre a história deste livro seria dizer demais. Vale
a pena ler e reler porque, na verdade, Tudo o que Temos cá Dentro
fala de tudo o que existe em todos nós. Do essencial, portanto.
Texto Laurinda Alves
SOBRE O AUTOR
Nasceu em Lisboa, em 1946, e viveu em Sintra durante a infância.
Colaborou no "Diário de Lisboa Juvenil" e em publicações
do movimento associativo dos liceus no início dos anos sessenta.
Concluiu o curso de Medicina em 1970, doutorou-se em 1986 e fez provas
de Agregação em 1997, na Faculdade de Medicina de Lisboa,
onde é professor de Psiquiatria.
Chefe de Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria, em
Lisboa, tem-se dedicado sobretudo à intervenção terapêutica
junto de jovens em risco.
Foi um dos introdutores da terapia familiar em Portugal, após
formação com Carl Whitaker, um dos pioneiros dessa técnica
de intervenção em saúde mental.
Os livros que publica partem da sua experiência clínica
e pretendem ilustrar algumas dificuldades dos adolescentes e das suas
famílias.
ENTREVISTA COM O AUTOR
O que aprendeu com os seus livros?
A sintetizar e a tornar acessível aos leitores ideias que há
muito tinha dentro de mim. A Psiquiatria é uma ciência complexa
e tem uma linguagem muito difícil e aprendi a torná-la inteligível.
Os últimos três livros estão mais próximos
da ficção.
Qual o livro que mais gostou de escrever?
Tudo o que Temos cá Dentro, justamente o que foi escolhido
para a colecção XIS.
Porquê?
Por ser o exemplo de um livro que parte de uma história real,
de um rapaz cuja namorada se suicidou, e permite contar uma história
de pessoas reais mas, ao mesmo tempo, tecer considerações
sobre a forma de tratar os adolescentes. Consegui ser mais eficaz desta
maneira do que se tivesse ficado a teorizar sobre a adolescência.
Declarou um dia que os seus livros são para ler e deitar fora.
Mantém a atitude?
Mantenho. Disse-o para avisar as pessoas que não encontram
receitas infalíveis nos meus livros. Na verdade, quando somos mais
didácticos temos tendência para dar conselhos e sugestões
e isso é muito mau para uma família.
Em que sentido?
Todas as famílias são competentes e todas, por mais
desorganizadas que estejam, têm a possibilidade de ultrapassar as
crises. Se quiserem, encontram dentro de si as soluções
e este é o caminho mais importante nas famílias e mais válido,
especialmente, nas crianças e jovens.
Quem é que o inspira?
Os meus mestres são essencialmente três: Eduardo Cortesão,
com quem fiz grupanálise pessoal na minha formação;
João dos Santos, com quem aprendi a ver crianças e adolescentes
e, finalmente, Carl Whitaker, com quem aprendi as bases da terapia familiar.
Trabalhou pessoalmente com Whitaker?
Sim, nos Estados Unidos, nos anos 80. Observando-o, aprendi com ele
a maneira de entrevistar uma família e de perceber a melhor forma
de ajudar essa família a ultrapassar a crise.
Gosta de fazer terapia familiar?
O termo mais correcto seria ‘terapia com a família’
e gosto muito porque é sempre possível aproveitar a capacidade
de mudança e a competência natural que existem em todas as
famílias. O que faço é potenciar uma e outra. A metáfora
que utilizo é a de ‘fazer uma viagem com a família’,
em que eu vou a conduzir mas podemos sempre seguir os caminhos que resultam
da conversa com a família.
E é disso que gosta.
Exactamente. O que mais me interessa neste momento é perceber
os problemas de comunicação de uma família porque,
paradoxalmente e de uma forma geral, todos os seus elementos estão
muito interessados em comunicar mas existem muitas vicissitudes no processo.
Têm medo de falar demais ou de menos uns com os outros e, muitas
vezes, acabam por não falar.
Não é fácil aconselhar pais e filhos, pois não?
É muito difícil aconselhar mas essencialmente tento
encontrar um equilíbrio entre uma certa forma de controlo que os
pais devem ter em relação aos filhos, abaixo dos 18 anos.
E em que se traduz esse controlo?
Trata-se de ajudar os filhos a crescer e a ser autónomos e,
ao mesmo tempo, de saber o que se passa, por onde andam e com quem estão.
Por um lado ajudá-los a crescer e por outro, vigiar a maneira como
crescem e se tornam independentes.
Que conselhos dá?
Costumo dizer aos pais dos adolescentes que se devem preocupar quando
não sabem nada do que se passa entre a saída da escola e
a entrada em casa. A preocupação de saber por onde andou
um filho que sai da escola às 16h e chega a casa às 20h
é uma preocupação boa.
Acha que os pais devem tentar, também, preencher esse tempo
livre?
É positivo que os adolescentes tenham outras ocupações
para além da casa e da escola, que são dois territórios
razoavelmente seguros. Convém que os pais tenham uma ideia daquilo
que fazem entre um lugar e outro mas que não exerçam um
controlo excessivo nem os obriguem a permanecer em casa. Até porque
os filhos que só estão em casa têm outro tipo de dificuldades.
Como é que fez com os seus filhos?
A adolescência não foi fácil para nós,
pais. Todos os estudos dizem, aliás, que este é o período
mais difícil para todos os pais. Eu e a minha mulher conseguimos
manter uma boa comunicação e optámos por abrir muito
as portas de casa aos amigos.
Acha fundamental trazer os amigos para casa?
Acho absolutamente essencial. Trazer os amigos para casa torna-a mais
confusa mas é tudo muito melhor.
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