"República dos
Corvos", de José Cardoso Pires, na Colecção
Mil Folhas
Um dos muitos títulos de um dos mais
notáveis escritores da língua portuguesa, "A
República dos Corvos" reúne sete contos
e foi publicado em 1988. José Cardoso Pires, de quem
se escreveu que todos os livros são fábulas,
mesmo os romances ou os ensaios, retoma
a faceta de contista com que se estreara na publicação
("Os Caminheiros e Outros Contos", 1949) e que por
essa altura já tinha sido alvo de várias colectâneas.
Aqui se incluem alguns textos escritos na década
anterior, aquela em que se disse adeus à ditadura e
à censura do terrorismo cultural cujos mecanismos Cardoso
Pires denunciou num ensaio publicado em Londres. Um dos contos
escolhidos para este "A República dos Corvos"
é justamente "dedicado" a Salazar. Escrito
na capital britânica em 1970, "Dinossauro Excelentíssimo",
curiosamente, é publicado em Portugal logo em 1972.
Encontrada uma editora, planeadas as precauções
na distribuição, descoberta uma tipografia que
aceitasse a tarefa, o livro é mesmo posto à
venda e durante uma célebre discussão na Assembleia
Nacional acaba a ser dado como exemplo de que há liberdade
em Portugal, deixando a censura de mãos atadas.
Curioso poderá ser também o facto
de Cardoso Pires ter voltado a incluir o "Dinossauro"
na colectânea lançada quase uma década
depois do fim da ditadura, e onde, nas suas palavras, quis
criar uma espécie de zoo "em que o homem se visitasse
a si próprio através do animal doméstico
ou familiar que ele viciou à imagem das suas corrosões
e dos seus mitos."
Mas há outros animais neste zoo feito
"República". A começar pelos corvos
de Lisboa no conto que dá título à colectânea.
O corvo da trama, pertencente a uma das últimas verdadeiras
tascas da capital e com pouca paciência para aturar
bêbados, foi baptizado Vicente como o Santo da lenda
da fundação da cidade, que precisou de dois
corvos a acompanhá-lo para entrar na História
como entrou. Farto das referências ao Santo, é
para os lados do Tejo que o Corvo Vicente procura o sossego
dos fins de tarde, percorrendo alguns dos caminhos da cidade
onde Cardoso Pires não nasceu mas que retratou como
poucos.
Para além do "Dinossauro"
e dos "Corvos", cabem ainda aqui outras aves: "Ascensão
e Queda dos Porcos-Voadores"; "As Baratas";
"Lulu"; "Os Passos Perdidos - Informe sobre
um Congresso"; e "O Pássaro das Vozes".
Caricaturas de um tempo, de todo os tempos, de convenções
e hipocrisias que não desaparecem com os regimes nem
são privilégios de nenhuma classe, embora possam
ter preferências.
Sete contos repletos de ironias para
descobrir e divertir, na mesma escrita despojada de quem em
meio século de letras sempre preferiu pecar por defeito
do que por excesso e exigir criatividade ao leitor em vez
de o manter passivo. Enquanto ensaísta, romancista,
jornalista, dramaturgo e fabulador.
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