"Senilidade", de Italo Svevo, na Colecção Mil Folhas
Por José Vítor Malheiros

"Senilidade" foi o segundo romance de Italo Svevo, que o publicou em Itália, em 1898, pagando a edição do seu bolso. O livro teve a pior recepção que pode acontecer a um romance: uma completa indiferença da crítica e uma total ignorância por parte do público.

Durante mais de vinte anos o livro pareceu destinado a encerrar a carreira literária deste triestino de origem germânica, de seu verdadeiro nome Aron Ettore Schmitz, filho de um comerciante de vidro judeu alemão e de uma mãe judia italiana, então com 37 anos e uma carreira já bem estabelecida como homem de negócios. O primeiro livro que tinha publicado tinha sido "Uma vida", em 1892, e não tinha merecido melhor sorte nem maior visibilidade. O fracasso de "Senilidade" levou Schmitz a abandonar as pretensões literárias e a concentrar-se na actividade de gestor de uma empresa de tintas para barcos, propriedade da família da sua mulher, os ricos Veneziani.

Durante anos a literatura foi um sonho distante até que, em 1906, devido à abertura pela sua empresa de uma filial em Londres, colocada sob a sua responsabilidade, Svevo se viu obrigado a aprender inglês. Para isso contratou os serviços de um irlandês que era então professor na escola Berlitz de Trieste. O nome do professor era James Joyce e entre ele e Svevo cimentou-se uma amizade construída em torno da paixão pela literatura.

Joyce mostrou a Svevo uma obra que ainda não tinha publicado, "Dubliners", e Svevo retribuiu mostrando ao seu novo amigo os seus dois romances. A reacção de Joyce foi tão entusiástica que animou Svevo a voltar a escrever. Joyce gostou tanto de "Senilidade" que chegou a aprender de memória as últimas páginas do romance, recitando-as de cor. Anos mais tarde, depois da publicação do terceiro romance de Svevo, "A Consciência de Zeno", em 1923, Joyce seria ainda responsável pela sua edição em França e, a partir daí, pelo reconhecimento internacional do seu autor, considerado por muitos como o pai do romance moderno e por todos como uma das figuras maiores da literatura do século XX.

"Senilidade" é a história de dois triângulos amorosos, um romance psicológico recheado de jogos de auto-ilusão e engano, onde o ciúme joga o papel central. O protagonista, como sempre em Svevo - que dizia que escrevia sempre uma autobiografia, ainda que não fosse a sua - é um homem dividido, sofredor e fraco, introspectivo e hesitante, sem a coragem dos seus sentimentos e sem convicções, amoral e manipulável, que se envolve com uma belíssima mulher que julga inocente mas que pretende corromper e a quem garante que apenas quer salvar da decadência moral e da condenação social. O enredo desenvolve-se num jogo de espelhos e enganos, analisados e justificados mas nunca transparentes e nunca lineares.

Italo Svevo morreu em 1928, na sequência de um acidente de viação. A sua obra inclui ainda dois volumes de contos geniais, publicados postumamente, um livro de ensaios, peças de teatro e um romance inacabado, a continuação de "A Consciência de Zeno".

 


      “Quando todos compreenderem claramente como eu, escreverão. A vida será impregnada de literatura. Metade da humanidade consagrar-se-á à leitura e ao estudo do que a outra metade terá escrito. E o recolhimento ocupará o seu melhor tempo que será por isso arrancado à verdadeira e horrível vida. E se uma parte da humanidade se rebelar e recusar a ler as meditações dos outros, tanto melhor. Cada um se lerá a si mesmo.”

    
   

 
Ítalo Svevo
 
  Italo Svevo, pseudónimo de Ettore Schmitz, nasceu em Dez embro de 1861, em Triestre, Itália, e morreu em 1928. “Senilidade” é o seu segundo romance e foi publicado em 1898.