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"O Jovem Törless", de Robert Musil,
na Colecção Mil Folhas
Em "O Jovem Törless", o primeiro romance do escritor austríaco Robert Musil, estamos no espaço da angústia, algures perdidos na solidão das palavras. Algures entre o desejo do desconhecido e o bem-estar da estabilidade. O próprio jovem Törless se coloca perante essa ambiguidade: "Sentia-se de certa forma dilacerado entre dois mundos: um sólido e burguês, no qual tudo acontecia de modo sensato e regrado, como estava habituado em casa; outro, aventureiro, sombrio, misterioso, sanguinário, com surpresas inimagináveis."
Dois mundos despedaçados como o coração de Törless - suspenso entre o desejo e a repulsa, a moral e a irreverência, entre o mundo burguês e a liberdade.
Törless é um adolescente cheio de dúvidas, fechado num colégio interno. Está à procura de alguma coisa - do desejo?, da paixão?, como?, porquê? Mas a angústia chega no final do dia, quando mais uma vez se apercebe de que a vida não lhe trouxe nada de novo.
Torna-se amigo de Reiting e Beineberg. Mas um dia, um quarto miúdo, Basini, rouba dinheiro a Beineberg, que jurará vingança e que, com Reiting, estabelecerá um plano de humilhações sucessivas - até ao golpe final. "Mas de qualquer modo vou matá-lo, só que você voltará à vida. A morte não nos é tão estranha como você pensa; morremos diariamente, no nosso sono profundo e sem sonhos", diz Beineberg a Basini. Törless ignora tudo, às vezes assiste, em silêncio; às vezes intercede por Basini; às vezes, até, aproveita-se dele, descontrolado e envergonhado de sentir desejo pelo outro.
"Somos educados juntos porque pertencemos à mesma sociedade", diz Törless. A mesma sociedade que educa Basini a roubar e Beineberg a uma violenta vingança. A mesma sociedade que castra os sonhos de Törless, as suas dúvidas e as suas esperanças. A mesma, que torna Reiting num "pequeno tirano".
Mas era possível (não terá sido sempre), viver nessa ambivalência, na corda bamba entre o desejo e o poder, e a repulsa e a vergonha. "Assim também era possível que, no mundo quotidiano e nítido que ele até então conhecera, se abrisse uma porta levando a outro mundo, abafado, ardente, apaixonado, desnudado, devastador. Assim era possível que entre uma pessoa cuja vida se move regradamente entre o escritório e a família, como numa transparente e firme casa de vidro e ferro, e uma outra pessoa, desprezada, ensanguentada, imunda, que deambula por confusos corredores repletos de vozes e urros, não apenas existisse uma passagem, mas que as suas fronteiras se tocassem, secretas, próximas, podendo ser ultrapassadas a qualquer momento?" Talvez ele nunca encontre a resposta - nem para o seu próprio desejo.
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