"O Caso Morel", de Rubem Fonseca,
na Colecção Mil Folhas

Antes de "O Caso Morel" já havia "Os Prisioneiros" (1963). Já havia "A Coleira do Cão" (1965). E já havia "Lúcia McCartney" (1967). Sendo, todavia, o primeiro romance de Rubem Fonseca - os títulos anteriores reuniam contos, modalidade de que o autor é igualmente um cultor exímio -, "O Caso Morel" inaugura, em 1973, um novo patamar na literatura do escritor brasileiro que, em 2003, venceu o Prémio Camões.

Nele já estão, e não apenas latentes, os temas e o estilo a que Rubem regressará sem cessar: o grotesco, sexo em quantidades quase industriais, o crime e o mistério, mas também um ritmo de escrita algo alucinado, marcado por frases curtas e incisivas e "cortes" cinematográficos (não admira: o escritor é também argumentista e tem várias obras suas adaptadas ao cinema).

Mais importante do que isto, em "O Caso Morel" está já um dos mais notáveis e persistentes recursos do romancista, no qual ele se disfarça das suas personagens para reflectir sobre a sua obra e sobre a arte em geral. Sucede isto aqui e também em alguns dos seus livros mais notáveis, como "A Grande Arte" (1983), "Buffo & Spalanzani" (1986), "Agosto" (1990) e "Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos" (1988), mas também no recente "Diário de um Fescenino" (Junho de 2003, publicado em Portugal, pela Campo das Letras, no final do ano passado).

Avesso a entrevistas ou a qualquer tipo de contacto com a imprensa, Rubem Fonseca tem mantido uma aura de mistério em torno da sua vida, alimentada, ainda por cima, por uma frase em que diz acreditar que a biografia de um escritor está nos livros que escreveu. A ser verdade, os traços de personalidade deste brasileiro revelar-se-ão menos nas galerias de personagens bizarras que povoam os seus contos - "Pequenas Criaturas" (2002), "Secreções, Excreções e Desatinos" (2001), "Buraco na Parede" (1995) e "Romance Negro e Outras Histórias" (1992) são alguns dos títulos disponíveis no mercado português - do que nos romances, onde surge ora pela voz de personagens avulsas, ora dando corpo a um dos seus mais persistentes alter-egos, o advogado/investigador Mandrake. Charutos, um humor peculiar e sucessivos prodígios sexuais são outras das imagens de marca das suas figurinhas, persistindo inevitavelmente a dúvida: onde termina Rubem Fonseca e começa a ficção?

Nascido em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 1925, Rubem Fonseca mora no Rio de Janeiro desde os oito anos de idade. Formou-se em Direito e chegou a trabalhar, entre outras coisas, como investigador da polícia, facto que, de algum modo, está presente em grande parte da sua obra, a qual explorou abundantemente o género policial. Em "O Caso Morel" (que foi editado em Portugal, em 1976, pela Bertrand), este facto biográfico surge bem vincado, sendo quase inevitável a associação entre Rubem e Vilela, o ex-advogado, ex-polícia e escritor que é a personagem-pivot da narrativa.



      “Vila-Matas, o espanhol, fala na síndrome de Bartleby, um sintoma mórbido de inspiração melvilliana que paralisa os escritores, fazendo-os renunciar à literatura. Eu não me incomodaria de sofrer dessa doença que acomete tantos dos meus colegas, fazendo-os desistir de escrever.”

    
   

 
Rubem Fonseca
 
 
Nascido em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 11 de maio de 1925, José Rubem Fonseca foi Prémio Camões este ano. “O caso Morel” foi publicado em 1973.