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"Os Sete Minutos", de Irving Wallace,
na Colecção Mil Folhas
Por DIEGO ARMÉS DOS SANTOS
Terça-feira, 30 de Dezembro de 2003 Quando, neste julgamento em Los Angeles, Califórnia, um oficial de justiça anuncia o seguinte aos presentes em tribunal: "O povo do Estado da Califórnia contra Ben Fremont", muita da história de "Os Sete Minutos", de Irving Wallace, fica resumida. Mas não explicada.
Ben Fremont é um pacato livreiro proprietário do Empório Fremont que, inocentemente, tem à venda na sua livraria exemplares de "Os Sete Minutos", do misterioso autor JJ Jadway. Segundo o artigo 311 do Código Penal do Estado da Califórnia, o referido livro é passível de ser considerado "material obsceno", logo, atentador contra a moral e os bons costumes de toda a população, exposta à devassa supostamente literária de um "tarado sexual" que resolveu escrever os devaneios que lhe cruzavam a cabeça em noites de provável insónia. Como agravante, existe um caso de alegada violação e consequente homicídio de uma jovem, Sheri Moore, crimes supostamente incitados pela leitura do dito "material obsceno" - versão confirmada, sob juramento, pelo próprio alegado violador e homicida, Jerry Grifith.
Do lado da acusação está o promotor público Elmo Duncan, e sua respectiva comitiva de implacáveis, protegidos pelas forças poderosas que zelam pela moral da população. Pela defesa, alinha o advogado Michael Barrett, secundado pelo seu sócio Abe Zelkin.
Expostos os argumentos e respectivos defensores, temos que Irving Wallace leva a julgamento não um livreiro, nem um escritor ou mesmo o próprio livro, mas antes toda a liberdade de expressão, sendo que, neste caso, se trata de expressão artística, sob a forma da literatura.
O livro dentro do livro, "Os Sete Minutos" de Jadway, é um relato com descrição pormenorizada dos pensamentos de uma mulher durante os sete minutos de uma relação sexual. Pertence ao juiz Underwood e aos jurados californianos decidir sobre a (i)legitimidade da exposição de tal escrito ao público, isto é, se, de acordo com "a opinião predominante" da população, existe alguma utilidade na impressão e comercialização da obra.
O que Wallace pretende verdadeiramente julgar a partir da expressão "opinião predominante" é a legitimidade da censura e da imposição de um padrão de normalidade como prática obrigatória a todo um grupo, a toda a sociedade. Poderá submeter-se a arte à avaliação segundo critérios democráticos? Deverá uma obra ser sujeita a sufrágio para que possa ser considerada "arte"? Indo mais longe: deverá o artista, enquanto criador, ser condicionado pelos padrões morais de uma sociedade?
Irving Wallace cria uma intriga consistente para expor o seu ponto de vista, obtendo um romance bem escrito, extremamente cinematográfico e cheio de ritmo. Mas, por detrás desta ficção bem enredada, existe um manifesto de um escritor pela sua própria liberdade de criação. "Os Sete Minutos" é a sua obra mais polémica e encontra-se presentemente esgotada em Portugal.
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