"A Revolução Electrónica", de William Burroughs, na Colecção Mil Folhas

Apresenta-se-nos "A Revolução Electrónica", de William Burroughs, e entramos num mundo complexo e confuso. Não é fácil entrar no texto, nem tão pouco classificá-lo. Será um ensaio? Certamente. E uma ficção? Talvez. E que tal um diário de desabafos e teorias? Nem tanto.

"A Revolução Electrónica" é, no fundo, uma espécie de livro de receitas, pelo menos, na aparência, que poderia ter como título "Guia Prático para a Destruição de Sistemas Sociais Contemporâneos". Acresça-se que o registo em que é escrito transparece uma oralidade que, por vezes, atinge o limite do inteligível - o autor confunde, sobrepõe, corta e monta o texto de um modo (aparentemente) desorganizado. É um texto curto, mas requer a atenção permanente do leitor.

William Burroughs parte de um princípio: o ser humano está contaminado por um vírus - a palavra. "A palavra em si pode ser um vírus que atingiu uma situação permanente no hóspede", ou seja, o ser humano está contaminado, mas esta infecção não se apresenta como maligna, à partida.

Há uma espécie de simbiose: o vírus sobrevive, o hóspede sobrevive, ninguém se aleija, saem ambos a ganhar. No fundo, o homem contemporâneo é tal como o conhecemos porque está infectado pela palavra. Por outro lado, o vírus foi sofrendo mutações à medida que o homem foi evoluindo e a linguagem foi ganhando novos contornos.

O mal da palavra - ou da linguagem - é a forma como esta é utilizada. No fundo, hoje a palavra é uma arma de poder. Como assim? É simples. A difusão da palavra pode, obedecendo a várias técnicas, desencadear determinadas reacções. Ou seja, o poder da palavra não é o de "poder fazer", mas sim o seu supremo hierárquico, o "poder de fazer fazer".

Através da elocução e de várias técnicas do domínio do discurso, associadas a estratégias bem montadas de difusão de mensagens, as palavras podem controlar multidões, criar um sistema e sustentá-lo, imutável, mantendo no poder os donos da palavra: "Os sacerdotes (...) fundaram um universo hermético de que eram os controladores axiomáticos. Ao fazê-lo tornaram-se (...) o Medo e a Dor, a Morte e o Tempo", escreve o autor.

Burroughs propõe então que se questione o sistema e a sua infalibilidade. E é neste ponto que a electrónica e a palavra, unidas, podem funcionar como armas de destruição do sistema que elas próprias sustentavam, subvertendo as suas funções.

A principal receita sugerida por Burroughs consiste na utilização da técnica do corte e montagem, o "cut-up". Esta técnica é complexa. Implica a utilização de meios de gravação e difusão audio e vídeo, ou seja, os mesmos que são utilizados para "controlar as massas", os "mass media".

A diferença essencial reside na mensagem difundida. Esta será uma mistura de várias situações difundidas em intervalos exactos, geradores de emoções, não aleatórios, propondo ao receptor um confronto com a sua própria realidade. William Burroghs pormenoriza - exemplifica experiências do tipo "faça você mesmo"; dá dicas sobre a utilização e o manuseamento dos aparelhos; especifica situações, elaborando até ao pormenor mais ínfimo. Cabe aos que se insurgem usar a imaginação e seguir os conselhos do "mestre".

Atenção: os cenários construídos por Burroughs não são aconselháveis a espíritos mais sensíveis.

 


      “Temos de descobrir o que são as palavras e qual a sua função./ Elas transformam-se em imagens quando escritas,/ mas imagens das palavras repetidas na cabeça/ e não a imagem da coisa em si.”

    
   

 
William Burroughs
 
 
William Seward Burroughs nasceu em St. Louis, Missouri, EUA, em 1914. Morreu em 1997. “A revolução electrónica” foi publicado em 1971.