A História
de Meu Filho,
de Nadine Gordimer
Prémio Nobel da Literatura em 1991, a escritora
sulafricana propõe neste livro uma representação,
em escala familiar, de um país prestes a assistir
ao colapso do “apartheid”
Por Maria José Oliveira
A maior parte dos críticos literários colam
facilmente os rótulos: romance político ou
romance-manifesto, clamam. Nadine Gordimer (1923), a escritora,
recusa tais associações, não se inibindo
de manifestar o seu desagrado quando atribuem aos seus
livros a classificação de propaganda política.
A avaliação dos críticos não é indiferente
ao “currículo” da autora: Gordimer é membro
do ANC (Congresso Nacional Africano), fundou a Associação
de Escritores Sul-Africanos, ostenta uma vasta lista de
participações em protestos antiapartheid
e todos seus romances (13) e “short stories” (cerca de
200) gravitam em torno da segregação racial.
A escritora, porém, insiste em traçar uma
fronteira entre o activismo político e a produção
ficcional: “A transformação da realidade
nunca deve pertencer a nenhum sistema”, afirmou numa conferência
na Universidade de Massachusetts, em 1991, precisamente
no ano em que foi galardoada com o Prémio Nobel
da Literatura. Na demarcação de espaços,
Gordimer assesta dois lugares: o da vida cívica,
onde lutou pela liberdade, e o da escrita, onde sempre
foi livre.
O poeta irlandês Seamus Heaney (também laureado
com o Nobel em 1995) escreveu sobre Nadine Gordimer, filha
de um imigrante lituano e de uma inglesa, aquilo que poderia
servir de epígrafe em todos os livros da autora
sul-africana: “É uma guerrilheira da imaginação.” É exactamente
isto que emana da leitura de “A História de Meu
Filho”, livro publicado em 1990, data da histórica
libertação de Nelson Mandela, preso durante
27 anos. Faltavam apenas quatro anos para o colapso de
um regime dominado pela minoria branca sul-africana e para
o fim de uma tirania que ditou a proscrição
da maioria negra.
Em “A História de Meu Filho”, Gordimer
traduz o sofrimento imposto por uma absurda ideologia na
história
de um professor convertido em figura popular da resistência,
Sonny, apanhado na armadilha que mescla os dilemas afectivos
e a luta política. É através da representação
da vida familiar de Sonny, casado com Aila e pai de dois
filhos adolescentes, e da sua relação adúltera
com Hannah Plowman, representante de uma organização
internacional dos direitos humanos, que a autora projecta
a desordem e a confusão de um país a braços
com um profundo processo reformativo. Como se o microcosmos
das vivências pessoais do protagonista servisse de
metáfora para o período de transição
dos primeiros anos da década de 90. Aquilo que a
escritora, agora com 80 anos, propõe neste livro é uma
espécie de exercício dialogante com os anos
futuros. Com vantagem de o leitor já conhecer esse
futuro.