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"Nação Crioula", de José Eduardo
Agualusa
Por Carlos Câmara Leme
Quando pedem a José Eduardo Agualusa o nome de um escritor, o angolano não leva muito tempo a pensar: Eça de Queirós. Na entrevista com o romancista, que publicaremos amanhã acompanhando a saída do livro, Agualusa conta como descobriu, aos 15 anos, "Os Maias" e como devorou o homem de fio a pavio. "Enquanto não li o Eça todo não descansei."
Esta admiração - que releva na sua escrita o humor, por vezes o riso cáustico, e uma ambiguidade bem típicos do estilo de Eça -, ganhou um estatuto literário quando, em 1997, veio a lume "Nação Criuola". Fernando Pessoa tinha enviado Ricardo Reis para o Brasil: José Saramago foi buscá-lo ao Brasil no ano da sua morte; Agualusa pega em Fradique, manda-o para Angola e Brasil e conta a história de um amor secreto entre Carlos Fradique Mendes e Ana Olímpia Vaz de Caminha.
Se Fradique é uma personagem de ficção ("heterónimo" colectivo criado em 1868 pelo grupo do Cenáculo, onde pontuavam Jaime Batalha Reis, Antero de Quental e Eça, ou figura excêntrica que estará na origem de um dos projectos mais modernos da prosa queirosiana, "A Correspondência de Fradique Mendes"), por detrás de Ana Olímpia está alguém com existência real. Tendo nascido amarrada à escravatura, torna-se uma das mulheres mais ricas e poderosas de Angola. Por via, justamente, da escravatura... Um dos personagens do livro traça, com notório sarcasmo, o retrato: "Deus é democrata - disse - democrata e socialista. Veja o caso de Dona Ana Olímpia. Nasceu nesta cidade, filha de uma escrava, e é hoje uma das mulheres mais ricas do país, senhora de muitos escravos, poderosa e respeitada."
Aparentemente, o pano de fundo histórico de "Nação Crioula" é a consciência de um determinado fim do século XIX, em Lisboa, Luanda, Lisboa, Paris e Rio de Janeiro. Aparentemente... "Nação Crioula" é um livro que nos fala do presente e, de certo modo, nos remete para o futuro da relações entre as pessoas, os países, placas giratórias de uma comum historicidade, como se de jangadas de pedra se tratassem à busca da sua identidade: nós - incluindo a Europa -, Angola e o Brasil. Aos espaços geográficos correspondem personagens, a maior parte delas à deriva, mas cada um a seu modo com a consciência de que, afinal, somos todos crioulos. Em sentido literal e figurado.
"Nação Crioula" (assim se chamava o último navio negreiro da História que sulcou os oceanos - será mesmo?), é um portentoso romance. Agualusa escolheu a correspondência epistolar do livro de Eça para contar a sua história. Mas, em "Nação Crioula", o leitor não sentirá o "pastiche" - e lidar com a prosa de Eça de Queirós não está ao alcance de todos... Há um tom próprio que, de cada vez que muda de lugar geográfico, muda também ele de nota: seja pelo olhar de quem escreve seja pelos espelhos de quem recebe a carta-narrativa.
José Eduardo Agualusa
nasceu em 1960. No Huambo, no planalto central de Angola. Com "Nação
Crioula" ganhou a primeira edição do Grande Prémio
de Literatura RTP, no ano em que o livro saiu: 1997. Se o leitor
ainda não o leu do que é que está à espera?
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