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Shangri-la, o céu na terra
Por Maria José Oliveira
Em 1933, o escritor britânico James Hilton
imaginou um paraíso terrestre. Chamou-lhe Shangri-la e
situou-o no Tibet. No lugar da utopia não entra quem quer
e, uma vez lá, já não se pode sair
Os jornais ingleses e indianos exploraram
o assunto durante largas semanas, a especulação adensou-se com
o mistério, mas o enigma acabou por ceder ao esquecimento.
Um pequeno avião, fretado para o resgate dos residentes
ocidentais em Baskul, desapareceu nas montanhas geladas do
Tibete. Para além do piloto, de origem desconhecida,
supôs-se que teriam perecido os passageiros. Eram quatro:
Hugh Conway, cônsul britânico; Roberta Brinklow,
missionária; Henry Barnard, cidadão norte-americano;
e Charles Mallinson, vice-cônsul britânico. Os
dados estão lançados - é este o prólogo
de "Horizonte Perdido", do escritor inglês James Hilton
(1900-1954); é neste mistério aparentemente
insolúvel que o leitor embarca rumo a Shangri-la,
mosteiro budista nas montanhas tibetanas. A obra de Hilton,
publicada em 1933, é um romance que encerra um outro
romance: o destino dos quatro desaparecidos é detalhadamente
relatado num maço de folhas que o narrador recebe
de um amigo, Rutherford, um escritor a quem Hugh Conway contara
as experiências vividas após o desvio do avião.
O artifício serve uma sugestão: narrador e
leitor parecem usufruir do mesmo tempo de leitura.
Rutherford reencontrara Conway, bastante
doente, num hospital chinês. Nem ele, nem ninguém, sabia como tinha
ido ali parar. Com a ajuda do escritor, o cônsul inglês
recuperou, a pouco e pouco, a memória e, durante uma
viagem num vapor japonês, revelou todos os seus passos
após o embarque em Baskul.
Filosofia da moderação
É uma
palavra de origem chinesa, cujo significado remete para "o
céu na terra" ou "o paraíso
na terra". Shangri-la é o nome de um lugar idílico.
Actualmente, e como resultado do desgaste e da vulgarização
da palavra, Shangri-la é um dos nomes mais utilizados
no baptismo de hotéis e de "resorts", que, desta forma,
prometem estadias de tranquilidade e sossego.
Estes "paraísos terrestres" nunca estiveram tão
longe da tradução original de Shangri-la -
um mosteiro de sacerdotes budistas, situado nas quase inatingíveis
montanhas da Lua Azul, no Tibete, que se encontra luxuosamente
apetrechado com todas as mordomias do conforto ocidental.
Neste microcosmos, os lamas descobriram o elixir da juventude
- alguns têm mesmo centenas de anos - e o quotidiano
monástico concretiza-se em orações e
no estudo dos manuscritos que imperam na vasta biblioteca
do mosteiro.
É a este lugar místico que são conduzidos
Conway, miss Brinklow, Barnard e Mallison. A sua chegada
a Shangri-la envolve-se em mistério: terá sido
fruto do acaso (o mau tempo, a aterragem forçada do
avião num vale de gelo, o surpreendente aparecimento
de guias que encaminharam os passageiros para o mosteiro)
ou um plano arquitectado pelos lamas?
Algumas páginas adiante, e após alguns meses
de reclusão em Shangri-la, Conway admite que foi um
dos "escolhidos" e que todas as experiências vividas
por si e pelos seus companheiros tinham já sido traçadas
pelos sacerdotes. Isto mesmo é-lhe transmitido pelo
Lama Superior, que, além de lhe explicar a impossibilidade
de sair das montanhas da Lua Azul, incumbe-o de uma grandiosa
função: lega-lhe o futuro de Shangri-la.
Até ao final, em aberto, da história escrita
por Rutherford, mesclada de cepticismo, angústia,
encantamento e fúria, não existem muitos pontos
de viragem narrativa. O "romance" dentro do romance é construído
em torno da filosofia de Shangri-la, baseada na moderação
- "Preconizamos a virtude de evitar excessos de toda a espécie,
incluindo, com perdão do paradoxo, o próprio
excesso da virtude. (...) Governamos com moderado rigor e
satisfazemo-nos, em troca, com uma obediência moderada",
explica, a dado momento, um dos sacerdotes -, e a trama ganha
mais fulgor sobretudo na descrição da fuga
de Conway e Mallison.
A novela de Rutherford termina precisamente
nesse momento, quando as duas personagens se debatem com
uma conturbada fuga por montanhas rochosas. O leitor recordar-se-á nesta
altura de alguns dados contidos no prólogo: Mallison
morre durante a viagem de regresso e Conway é socorrido
num hospital chinês. A sua sobrevivência é a
memória de Shangri-la, que, de outra forma, nunca
trespassaria para fora das montanhas da Lua Azul.
Camp David foi Shangri-la
O
desfecho de "Horizonte Perdido" fecha o círculo
aberto no prólogo. Em Deli, o narrador reencontra
Rutherford, devolve-lhe os originais manuscritos e manifesta
a sua apreciação sobre a história de
Conway. Neste epílogo, Rutherford conta como tentou,
em vão, descobrir o trajecto até Shangri-la,
desbravando as montanhas tibetanas, e como perdeu o rasto
de Conway, que pretendera regressar ao lugar idílico.
James Hilton nunca visitou o Tibete.
Para a escrita de "Horizonte
Perdido", o autor recolheu inspiração nos artigos
do botânico norte-americano Joseph Rock, que viajou
pelo Tibete entre 1922 e 1949. A esta dose de conhecimento,
Hilton juntou a sua profícua imaginação.
O livro valeu-lhe vários prémios literários,
o reconhecimento internacional e a atenção
de Hollywood.
Em 1937, Frank Capra adaptou
o romance ao cinema e pôs
o mundo a entoar a canção-tema do filme, intitulada "Shangri-la".
A designação que Hilton deu ao mosteiro lamaísta
ganhou popularidade e transformou-se num nome mítico.
Ao ponto de, no decénio de 40, Franklin Roosevelt
ter rebaptizado Camp David, a residência de férias
presidencial, com a denominação do lugar paradísiaco
criado por Hilton - Shangri-la. O nome manter-se-ia até 1953,
data em que o presidente Eisenhower "ressuscitou" Camp David.
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