"África Minha", de Karen Blixen

Por António Marujo

É a história de uma mulher e da sua empatia com África. Mais do que uma paixão, Karen Blixen teve para com o continente africano a atitude de quem adopta uma segunda pátria. "Out of Africa" ("África Minha" na versão portuguesa) traduz, através das narrativas que apresenta, essa relação intensa entre uma baronesa da Dinamarca e os africanos.

Mesmo não estando perante um livro de contos, com que a autora se notabilizou, "África Minha" tem dentro muitas histórias que se podem ler como tal. A par da reconstrução da memória, vários episódios lêem-se como se fossem contos tradicionais nórdicos, capazes de nos fazer acreditar no fantástico, com "trolls", princesas e encantamentos - como o episódio em que Karen Blixen fala do sistema numérico suaíli, em que o número nove é suprimido por causa do significado ambíguo da palavra, mas funciona.

Nascida em 17 de Abril de 1885, em Rungstedlund (Dinamarca), numa família de cinco filhos e de tradição literária (o pai, que se suicida quando Karen tem dez anos, e o irmão Thomas foram também escritores), Karen Christentze Dinesen casa, em 1914, com o primo e barão Bror Blixen-Finecke, depois de fazer estudos artísticos em Copenhaga, Paris e Roma e de ter publicado já três contos, sob o pseudónimo de Osceola.

Naquele mesmo ano de 1914 parte para o Quénia, onde já vive quando começa a I Guerra Mundial. Ali se dedica à vida de fazendeira, gerindo uma plantação de café "no sopé das montanhas Ngongo", como recorda na primeira frase de "África Minha". Mas essa experiência não corre bem e, em 1931, Karen regressa à Dinamarca, onde se dedica ao jornalismo e a pôr por escrito as histórias que lhe povoavam a imaginação - muitas das quais certamente contara ao seu amigo e amante Denys Fynch-Hatton, quando este a desafiava.

É essa sua faceta de contadora de histórias que emerge logo na primeira obra que publica, "Sete Contos Góticos" (1934), usando o pseudónimo masculino de Isak Dinesen. Depois de "Out of Africa" (1937), livro de memórias da sua experiência em África que publica com o próprio nome, regressa às histórias em títulos como "Contos de Inverno" (1942), "Histórias do Destino", de 1958 (inclui o conto "A Festa de Babette", que dá título à edição portuguesa do livro) ou "Sombras no Capim", em que retoma temas africanos.

Em "África Minha", à boa maneira africana, Karen Blixen deixa-nos redescobrir o gosto de ouvir contar uma história. "As modas mudaram e a arte de escutar uma narração perdeu-se na Europa. Os nativos de África, que não sabem ler, ainda praticam essa arte. Se se lhes começar a contar: 'Uma vez um homem caminhava por uma planície e encontrou outro homem', eles põem-se a escutar atentamente, com os espíritos a seguir o trilho desconhecido seguido pelo homem na planície."

Ao falar do papel dos livros numa colónia, no início do século XX, escreve Karen Blixen: "Há um lado da nossa vida que só eles preenchem e, devido a isto, consoante a sua qualidade, sentimo-nos mais gratos para com eles, ou mais indignados com eles, do que num país civilizado."

Depois de ler "África Minha", várias décadas depois de o livro ter sido escrito, sentimo-nos mais gratos. Karen Blixen morreu em 7 de Setembro de 1962.

    
   

 
Karen Blixen