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"A
Terceira Rosa", de Manuel Alegre"
Na quarta ficção na obra
do poeta, Xavier e Cláudia são os nomes de um
amor. E de uma tempestade: a paixão
Carlos Câmara Leme
Para a história da vida literária
de Manuel Alegre, 1998 foi um ano de ouro. A lume saiu um
dos mais belos livros de poesia dos anos 90, "Senhora
das Tempestades", que esteve na origem de vários
prémios, e ainda "A Terceira Rosa", a quarta
incursão de Alegre no universo da ficção.
Existencialmente, os tempos a que estão ligados "Senhora das Tempestades" e "A Terceira Rosa" não foram fáceis. Se por trás do primeiro está um enfarte de miocárdio e dois ataques cardíacos - "tinha ido ao outro lado e vindo", confessou Alegre ao PÚBLICO em Janeiro de 1999 -, "A Terceira Rosa" "foi uma emergência, um impulso, uma viagem para trás" (suplemento Leituras, 9/1/1999).
Nascido em Águeda em 1936, o nome de Manuel (de Melo Duarte) Alegre está associado às lutas académicas dos anos 60, em Coimbra. Ao mesmo tempo que abraça a política, a poesia, bandeira das canções de José Afonso e Adriano Correia de Oliveira, torna-se um porto de abrigo mas também de questionamento sobre o sentido da vida. A vida, essa, levá-lo-á em 1964 ao exílio, em Argel, onde será locutor da Rádio Voz Liberdade, até Abril de 1974.
A estreia na ficção é tardia, com "Jornada de África" (1988), na D. Quixote, onde todos os seus livros estão publicados. Seguiram-se-lhe "O Homem do País Azul" (1989), "Alma" (1995), "A Terceira Rosa" e "Cão como Nós" (2002).
No interior de "A Terceira Rosa" - na verdade um romance sobre o interior do ser, um regresso ao primeiro e inconfundível amor, que deixa na carne e na alma uma marca inapagável -, personagens (Xavier e Cláudia) e narrador encontram-se perante vários dilemas que Manuel Alegre não plasmou na poesia mas, curiosamente, na ficção: o dilema da permanência do ser, do tempo, do amor - da tensão que este provoca entre o desejo e a morte - e da paixão, coisa bem diferente do amor, única e tão violenta que tudo incendeia em seu redor.
Livro construído, como
o próprio escritor afirmou, de "sítios,
cheiros, episódios" que viveu, a partir de um
processo de "ocultação e desocultação",
"A Terceira Rosa" é um romance contra o esquecimento.
Imagens cinematográficas encadeiam-se aos olhos do
leitor como num filme, numa voragem transfiguradora dos seres,
incluindo o escritor, ao (não) inscrever-se numa manifestação
no pós-25 de Abril atrás de Mário Soares,
Álvaro Cunhal e Salgado Zenha, quando a poesia estava
na rua. Em "A Terceira Rosa", ela está na
ficção. |