"O velho e o
Mar", de Hemingway
É a luta de um homem contra um peixe,
um exemplo da inexorabilidade da dignidade humana. "O
mundo do livro é o da reconciliação",
explicou um dia o escritor
Por Maria José Oliveira
Não se apagam os rumores da sua longa
passagem por Cuba. Há memórias dos que o conheceram
e lugares onde é fácil imaginar a sua robusta
figura sentada numa mesa, no fundo do botequim, a escrever,
sempre a escrever. Ernest Hemingway (1899-1961) ainda vive
em Havana: nos bares "El Floridita" ou no "La
Bodeguita del Medio", no hotel "Ambos Mundos",
na comunidade de pescadores de Cojimar ou em Finca Vigía,
propriedade que comprou nos arredores da capital cubana.
Foi na casa (hoje convertida em museu) onde
albergou os seus troféus de caça e pesca e a
sua biblioteca de quase 10 mil volumes que o autor norte-americano
escreveu, numa máquina antiga, "Por quem os sinos
dobram", "Ilhas na corrente" e "O velho
e o mar". "Sou um autêntico cubano",
diria poucos anos antes de dar um tiro na cabeça, na
sua casa de Ketchum, Idaho, para onde regressara depois do
"exílio" cubano.
Muito antes de desembarcar em Havana, na escala
de uma viagem de retorno aos EUA, Hemingway vagueara pela
Europa: foi motorista de ambulâncias na I Guerra Mundial;
correspondente de publicações americanas; deambulou
por Paris com Gertrudes Stein; tornou-se um dos símbolos
(com André Malraux) do antifascismo internacional ao
combater ao lado dos republicanos na Guerra civil de Espanha.
Vivia então soba luz mística escritor-caçador-pescador-guereiro-toureiro-jogador
de boxe. O esplendor que o rodeava era também feito
de palavras: ningém tinha dúvidas do seu génio
literário e os seus romances acolhiam uma aclamação
internacional. Entre eles, "O adeus às armas",
"As neves o Kilimanjaro" ou "O jardim do Éden".
A singularidade estilística do autor
e o seu carisma haviam, porém de ser condenados à
indiferença. Após a II Guerra Mundial, a crítica
literária desprezou os escritos nascidos no seu refúgio
cubano, onde vivia entre pescadores e frequentava as tascas
escuras e frescas dos homens do mar.
Continuava a procurar bálsamos para
reicidentes depressões na pesca em alto mar e lançou-se
no desafio de escrever um romance proustiano sobre as águas
quentes do Golfo do México. Não chegou a conclu´r
o projecto, mas em 1952 surperendeu os descrentes com a publicação
de "O velho e o mar", pouco mais de uma centena
de páginas impregnadas de comoção.
A beleza do pequeno romance devolveu-lhe reconhecimento:
nesse mesmo ano foi distinguido com o Prémio Pulitzer
e dois anos mais tarde com o Prémio Novbel da Literatura,
que, aliás, não ôde receber pessoalmente
porque estava a convalescer de um acidente de avioneta, sofrido
durante uma caçada no Uganda.
Sobre "O velho e o mar" disse Hemingway:
"O mundo do livro é o da reconciliação."
Santiago, o velho pescador, é o herói desta
odisseia: a luta de um homem contra um peixe. Após
84 dias de má sorte, um dos anzóis lançados
por Santiago é mordido pelo maior espadarte que já
vira em toda a sua vida. Inicia-se então, um combate
(o mais longo e feroz) de quase quatro dias pela sobrevivência
de ambos. Santiago trava uma batalha solitária que
sabe de antemão estar perdida - o peixe acaba por ser
devorado pelos tubarões -, mas aqui não há
troféus visíveis. O triunfo faz-se antes pela
consciência da dignidade humana, pelos actosque justificam
a existência, pela sobrevivência na luta contra
o destino. Santiago vence apesar da sua perda.
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