O Velho e o Mar

Maria Conceição Mendes


Fazes-me falta! Tanta falta!  Começo por aqui e, caso não saiba exprimir
muito mais, fica o grito.

Como hei-de suportar este tempo de espera até te encontrar? Como, se não
vislumbro sequer, resquícios de honestidade intelectual nesta etapa dos
tempos? Como, se me canso à procura de solidárias entregas, de leais
combates, de equidades sociais …como?! Estou no escuro sem o teu farol,
lutando contra uma barragem de mediocridade e perversão globalizadas, em
nome do Pai.

Se tivesses esperado mais um pouco, verias de quantas ignomínias se
fardou o teu mundo: nem te passa o quanto alguns emporcalharam o
ambiente das tuas histórias; quantos vexaram tantos, Velhos e novos  de
tantos mares e terras; nem podes imaginar a invenção última dos
conflitos preventivos, das cimeiras dos iluminados senhores que zelam
pela reeducação dos povos, da guerra civil que opõe deserdados aos seus
rapinadores, do Carnaval imenso da imensa desumanidade…  Sabes ainda do
descaro com que os tubarões atacaram o peixe gigante do nosso Velho?
Pensas que se saciaram no fim do teu livro? Não!.. Continuam à solta,
esfaimados, tenebrosos, sem fundo, impunes, protegidos até, vê tu! E
corporativizaram-se preservando-se da extinção da espécie. Se morrem
aqui ou ali numa  qualquer Fiesta de um qualquer povo, logo tratam de se
clonar – uma coisa nova aqui no burgo! - e fazem por se perpetuar… Se
soubesses quantos dos teus sinos têm dobrado ainda; quantas Guernicas te
sobrevieram e de que forma renovaram o estupor que julgávamos terminado
nos idos de 60; Se tivesses esperado um pouquinho mais talvez ainda
conseguisses  estranhar a concretização da parábola dos teus escritos;
decerto te voluntariavas  de novo para secar o caldo que a besta da fome
vem servindo cada vez mais,  a mais infância. Onde estás que me faltas?
Como pudeste deixar-me! Foste soberbo bebendo todas as  gotas do teu
licor… bebeste-o todo. Sabes o que faço todos os dias desde que
partiste? Leio o jornal, ligo o rádio, vou à Internet – outra coisa nova
aqui no burgo!-  abro a janela e cumpro a condenação dos que deviam ter
sido condenados às dores que criaram.  E rio-me de Deus, esse biombo
inventado por quem morreria à justiça das suas mãos se ele existisse! E
vou dando algumas gargalhadas terapêuticas antes da insanidade! E vou
olhando a minha perplexidade pela desfaçatez de alguns atiradores de
viscosa verborreia; mas sabes uma coisa, a cólera acordou, vem crescendo
na razão directa das omissões e culpas de quem desgoverna o mundo,
governando-se! A ira já transbordou de todas as vinhas e já nem só o
inverno se veste do nosso descontentamento. Sentes a paz ferida? Sentes
a obscenidade da miséria? Sentes-me? Olha! esta catarse formatou-me
– outra “coisa” nova para dizer !- e peço-te, meu querido Ernest que sussurres
ao Brecht que fique descansado que eu não estou cansada. Deixa-te estar e
espera até eu te levar novas de um novo e melhor mundo; o que cultivaste não secou
irremediavelmente. Quando te abraçar vais saber que cheiro ao mar do teu
pescador incansável e que, se parti foi porque, meu querido Ernst deixei
cá muitos outros como Manolin. Até já.