O Nome da Rosa

Augusto Cāndido Pereira

CARTA MÍNIMA a CESARE PAVESE

Caro Cesare:
É talvez cedo para dizer que te estimo tanto quanto os outros que mais
estimo, mas o que é certo é que, ultimamente, de cada vez que me  sento
a ver passar comboios, chega-me à memória "Branca Leone". Na verdade eu
nunca estive na costa sul da Calábria e, portanto, memória é uma
vocábulo mais do que improvável. Talvez seja apenas a sugestão por saber
que entre a casa do desterro por amor e o mar de que não gostavas, havia
uma linha de comboio. Deve então ser essa a linha que procuro. Ou talvez
compre os teus livros

porque o teu pai morreu como o meu. Ou talvez o mar, esse absurdo de
intolerância ao concreto a que te dependuravas julgando amor. Portanto,
não tem que ver com os teus desencontros com a vida, apesar de me
parecer que nada haverá de mais terrível e definido do que a mulher
falhando o teu convite, dizendo-te "sinistro e aborrecido".

Comprei recentemente, no bazar escandinavo, "O diabo sobre as colinas",
"O verão" e "Férias de Agosto". Edições dos anos 60. O preço foi por
centímetros de lombada. Se soubesses hoje que a tua escrita se pode
vender assim, a metro, ter-te-ia Mussolini incomodado?

Estou certo que sim. Nesses livros procurarei então a resistência, tanto
quanto o desalento. Mas, por agora, isto é, já, interessa-me que a tal
imagem dos comboios me não persiga assim: um mar para lá da linha e a
carruagem que passa, vagarosa, dorida, até um nada desmaiado
nas ruas de Turim.   Até mais,