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”Uma Cana de Pesca para o Meu
Avô ”, de Gao Xingjian
A vida é uma coisa estranha.
Composta por fragmentos, momentos, lembranças, pessoas
conhecidas e desconhecidas, tocamo-la mas raramente a compreendemos.
Mas para quê compreendê-la? Por que não
observá-la e contar as suas histórias? As histórias
da vida...
Por Diego Armés dos Santos
Este livro não tem regras. Estas histórias
não têm importância. Não existem
por aqui heróis. Nem anti-heróis. Este livro
contém beleza. Estes são alguns dos atributos
que fazem de “Uma Cana de Pesca para o meu Avô”
um objecto literário peculiar.
Entrar no primeiro conto pode não ser
fácil. Não pela sua escrita, que é limpa,
estruturada, lógica, suave. A história em si
é um obstáculo maior: somos atirados para a
memória de uma viagem de núpcias que não
é particularmente interessante. O narrador, o homem
recém-casado, deixa-nos sempre distantes da verdadeira
memória, que parece ocultar, relatando apenas os factos,
interrompidos pontualmente por rasgos de discurso directo
em que se dirige à companheira, Fangfang. O tom é
sempre nostálgico.
Ultrapassada a visita ao templo, deparamonos
com um relato cru e frio: um homem numa bicicleta, levando
consigo o filho ainda bebé, é abalroado por
um autocarro. Gao não nos leva até ao acontecimento
propriamente dito. Deixa-nos antes a flutuar no burburinho
da multidão, que espreita, curiosa, todos os detalhes
de um acidente — mais um acidente — com alguém
que ninguém conhece. Da poça de sangue às
discussões sobre o dono da culpa, observamos todo o
panorama. Mas nunca conhecemos a personagem nem a sua morte.
Não existe tragédia, embora ela esteja lá.
É a vida.
De seguida, existe um nadador que quase se
afoga enquanto nada ao largo de uma praia, ao pôr- do-Sol.
A culpa é de uma cãibra inoportuna. Mais uma
vez é um momento do quotidiano que ganha o protagonismo.
E, da mesma forma que nos contos anteriores, não desemboca
em tragédia.
Mais à frente, um homem e uma mulher
encontram-se num parque. Já se conhecem. Não
se viam havia muito tempo. E, talvez por isso, já não
possam encontrar-se. Neste conto, muito teatral, em que a
história é conduzida quase exclusivamente pelos
diálogos entre as duas personagens, a alusão
à realidade chinesa, às dificuldades da população
que é vítima de um sistema injusto, são
mais explícitas. “A política aborrece-me
(...), é igual em toda a parte (...). Por isso odeio
a política”, afirma Gao publicamente. Não
falemos então de política.
Existem ainda “Uma Cana de Pesca para
o meu Avô” e “Instantâneos”.
O primeiro é um assalto à memória, uma
deriva cheia de esperanças, um elogio ao desalento.
O último não é um conto. É uma
mescla de visões, paisagens, descrição
de situações. Pode supor-se que existam personagens,
mas isso é irrelevante. É a vida...
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