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O "charme" da infidelidade
"A História de Um Sonho",
de Arthur Schnitzler, acontece numa noite que envolve fantasias
sexuais, confissões surpreendentes, uma orgia, uma
morte, um baile de máscaras. Em pouco mais de cem páginas,
o escritor austríaco revela a opulência de uma
Viena "fin-de-siècle" e a secreta intimidade
de um jovem casal burguês.
Por Maria José Oliveira
Viena, anos 20. Ele é um jovem médico
de 35 anos, Fridolin; ela, a sua mulher, a sedutora Albertine.
Têm uma pequena filha. Vivem o esplendor da nova burguesia
austríaca e frequentam os salões mais cobiçados
de Viena.
Regressados a casa de um baile de máscaras,
onde ambos são seduzidos por desconhecidos, iniciam
uma conversa em tons confessionais. Albertine conta uma fantasia
adulterina com um oficial que observou durante as últimas
férias do casal, na Dinamarca; Fridolin reage, contando-lhe
que também nesse período costumava seguir uma
mulher na praia chegando a vislumbrar a infidelidade. As delicadas
confissões do casal são interrompidas pela solicitação
urgente de um antigo paciente de Fridolin, que necessita de
cuidados médicos. O corte repentino do diálogo,
as dúvidas não desfeitas, mergulham Fridolin
numa vertigem nocturna.
Depois de ouvir uma surpreendente declaração
amorosa de Marianne, filha do seu paciente (que acaba por
morrer pouco depois da sua chegada), Fridolin vagueia pelas
ruas desertas da capital. Entra num velho café, encontra
um amigo de longa data, pianista de "cabaret", que
lhe fala sobre uns serões misteriosos, onde é
pago para tocar de olhos vendados. Nachtigall, o amigo, conta-lhe
que mesmo com o lenço de seda negro consegue vislumbrar
vultos femininos, nus, somente com a cabeça encoberta
por um lenço, e homens, muitos, mascarados com hábitos
de monges e capas principescas.
O mistério é tentador: Fridolin
convence o músico a levá-lo consigo e envolve-se
num traje de mercador veneziano. O segredo desfaz-se numa
sumptuosa mansão, onde Fridolin embriaga o olhar com
uma orgia. O desconforto dos seus gestos denuncia-o e abeira-se
da humilhação quando lhe ordenam que tire a
máscara. Fridolin prenuncia um castigo, mas uma misteriosa
mulher propõe "sacrificar-se" por ele. O
médico é expulso da mansão e regressa
a pé a casa, a meio da noite. Quando a manhã
desponta, depois de Albertine desfiar um sonho que tivera
nessa noite, Fridolin conta-lhe a sua "aventura"
nocturna. Reconciliação. Dias mais tarde, surge
no jornal a notícia do suicídio de uma baronesa.
Fridolin relembra a mulher da orgia.
Entre o sonho e a realidade
Assim se resume, em traços gerais, "A História
de Um Sonho" (1925), do escritor austríaco de
língua alemã Arthur Schnitzler (1962-1931).
Viagem onírica pelas fantasias de um casal que rompe
a harmonia superficial do seu casamento com a confissão
de traições não consumadas; pequena novela
plena de intrigas e insinuações sexuais implícitas;
história onde os desejos de Fridolin e Albertine envolvem
sempre ambientes oníricos; livro incompreendido sobretudo
na Alemanha e na Áustria, chegando mesmo, a par de
toda a bibliografia de Schnitzler, a ser proibido após
a anexação do país ao Reich alemão,
em 1938.
"A História de Um Sonho" é
um título que estica a coerência de todas as
obras, romanescas e dramáticas, do médico-escritor,
de origem judaica. Escandalizou igualmente as convenções
da sociedade austríaca - até porque introduziu
também teorias eróticas freudianas - e obteve
relutâncias pelo seu método dramático
e psicológico de intelectualização, eivado
por um refinado estilo de escrita.
Schnitzler era, aliás, um homem de cultura
refinada, um aristocrata que viveu ainda o fausto do velho
Império Austro-Húngaro, um escritor atraído
pela decadência vienense, tal como o foram Hofmannsthal
ou Stefan Sweig, também frequentadores habituais das
tertúlias do café Griensteidl, em Viena. Em
"A História de Um Sonho", o escritor decantou
os ambientes íntimos e charmosos que tanto prodigalizava
nas suas obras, atribuindo-lhes um certo toque catastrofista,
e mesclou as linguagens dos sonhos e da realidade, quase recusando
distinções.
A interpretação deste livro pode
ser retirada à luz do excerto de uma carta de Sigmund
Freud a Schnitzler: "Tenho a impressão de que
você aprendeu através da intuição
tudo aquilo que eu fui adquirindo a partir de um árduo
trabalho em outras pessoas."
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