“Os Indiferentes”, de Alberto Moravia
Romance de estreia do escritor italiano, “Os Indiferentes”, publicado em 1929, teve um forte impacto na literatura italiana da época.
A acção decorre em pouco mais de 48 horas e centra-se em cinco personagens e três casas. Imagine-se uma peça de teatro em que o espectador não só ouve os diálogos das personagens, mas, por via telepática, sabe também o que elas estão a pensar. É esta a posição em que se encontra o leitor de “Os Indiferentes”, o romance de estreia do escritor italiano Alberto Moravia (1907-1990), que o publicou, a expensas próprias, em 1929.

Visto como precursor dos romances assumidamente existencialistas de Camus e Sartre, o livro de Moravia causou um profundo impacto na literatura italiana da época, que, como vinha acontecendo há séculos, continuava a dever aos poetas as obras mais fortes e inovadoras, pesem embora o Nobel atribuído, três anos antes, em 1926, à dostoievskiana Grazia Deledda, e alguns raros romances modernistas anteriores, como “La Conscienza di Zeno” (1921), de Italo Svevo, amigo e discípulo de Joyce. Mais velho do que Moravia, outro grande ficcionista italiano do século XX, Carlo Emilio Gadda (1893-1973), só começou a publicar as suas ficções, em folhetim, no final dos anos 30. Em Itália, 1929 foi também o ano de consolidação do governo fascista, com a assinatura de uma concordata entre Mussolini e o Vaticano. E era difícil não ler no livro de Moravia, com o seu retrato impiedoso da decadência da média burguesia romana, uma crítica à atitude demissionista com que a sua própria classe social vinha assistindo ao endurecimento do regime.

O escritor não teve, aliás, de esperar muito tempo para ver as suas obras proibidas pelo governo de Mussolini e colocadas no Index do Vaticano. A crueza com que Moravia retrata o sexo, que já neste seu primeiro livro surge como uma actividade inteiramente desligada de qualquer contexto sentimental, devia irritar particularmente a Igreja.

Como a generalidade dos posteriores romances de Moravia, “Os Indiferentes”, adaptado ao cinema, em 1964, por Francesco Maselli, tem como tema central a impossibilidade da comunicação humana. Nesse sentido, o sexo funciona também como um substituto da linguagem, assegurando esse mínimo de comunicação real que as palavras já não conseguem assegurar.

Cada uma a seu modo, com a possível excepção do anti-herói do livro, o capitalista sem escrúpulos Leo Merumeci, todas as personagens do livro são seres desesperados, que procuram estabilizar o seu sofrimento, quer através da auto-ilusão quer através de uma deliberada e consciente indiferença, que permite a sobrevivência, mas não garante a serenidade.

Moravia contraiu tuberculose óssea quando tinha nove anos e passou boa parte da infância e adolescência em sucessivos sanatórios. Talvez este isolamento, que compensou lendo vorazmente, explique o milagre de precocidade literária que o seu livro de estreia constitui. Pensar que tinha 22 anos quando publicou este lúcido e sufocante retrato da natureza humana é pouco menos do que assustador.