Charles Bukowski
Ele, o outro e as mulheres

Henry Chinaski não pensa nada sobre as mulheres. Conhece-as, entra e sai delas, até aparecer a próxima. Publicado em 1978, “Mulheres” é a vida de um homem que, se tivesse nascido mulher, seria certamente prostituta.

Por Marisa Torres da Silva

Coincidência ou não, “Buk”, o diminutivo de Bukowski, rima com “puke” (vomitar). De copo em copo, era algo que o escritor fazia constantemente, até ao momento em que decidiu fazer cura de alcoolismo. Coincidência ou não, este ritual também faz parte do quotidiano de Henry Chinaski, o seu “alter ego” e protagonista do livro “Mulheres”. A forma como a personagem justifica a afinidade com o álcool é simples, se não mesmo genial: “Se acontece algo de mau, bebe-se para esquecer; se acontece algo de bom, bebe-se para celebrar, e se nada acontece, bebe-se para que aconteça alguma coisa.”

Muita coisa acontece na vida de Chinaski, de facto. Ou melhor, muitas mulheres. Elas como que caem de pára-quedas na vida deste escritor de 50 anos, que se interroga várias vezes acerca da proveniência de tantos encontros, cruzares de pernas, sexo, discussões, rupturas, reconciliações. Para Chinaski é bom conhecer algumas mulheres, não propriamente porque funcionem como um elixir da juventude, mas para saber o que é realmente estar sozinho e desfeito quando cada aventura chega ao fim. Só depois disso é que aparece outra, mais uma, diferente. “Se eu tivesse nascido mulher, seria certamente prostituta. Mas como nasci homem, desejava constantemente mulheres, e quanto mais decadentes, melhor.”

Nessa sucessão interminável de figuras femininas, Henry Chinaski escreve, bebe, faz amor, dorme até horas impróprias, viaja, lê os seus poemas nas universidades, assiste a corridas de cavalos, volta a beber e... a beber. Cada episódio da sua vida, por mais trágico ou carinhoso que possa ser, é relatado num tom humorístico, por vezes irónico e, acima de tudo, realista.

Pela honestidade com que descreve as situações, o estilo literário de Bukowski é despreten-sioso, coloquial, ancorado em pequenos detalhes do quotidiano. Os deuses foram bons para o escritor, mantendo-o nas ruas onde deambulam as putas, os ladrões e os vagabundos, dando-lhe matéria-prima para escrever a partir dessas vidas. Escrever, simplesmente, sem qualquer intenção panfletária, como explica.

“Fotografo e gravo o que vejo e o que me acontece. Não sou um guru nem um líder de qualquer espécie. Não sou um homem que procura soluções em Deus ou na política. Se outra pessoa quiser fazer o trabalho sujo e criar um mundo melhor para nós, aceito-o. Na Europa, onde o meu trabalho está a ter muito sucesso, vários grupos queixaram-se de mim, revolucionários, anarquistas, e outros, porque escrevi sobre o homem comum da rua. Mas em entrevistas tive que negar uma relação de trabalho consciente com ele porque ela não existe. Tenho compaixão por quase todos os indivíduos do mundo; ao mesmo tempo, repugnam-me.”


“Outsider” desde a infância
O próprio Bukowski foi também ele um “outsider” desde a sua infância, marcada pela presença brutal do pai e indiferente da mãe. As borbulhas que subitamente explodiram no seu rosto em plena puberdade acentuaram esse estado de marginalidade, que viria a reflectir-se no modo como a comunidade literária americana recebeu inicialmente a sua obra, num misto de choque e de desprezo.

Contudo, a informalidade da sua escrita e a recusa em optar por uma literatura mais convencional transformou-o num autor de culto, amado pelos mesmos leitores de Jack Kerouac, Allen Ginsberg ou William S. Burroughs. Apesar de o nome Bukowski nunca ter sido associado à “beat generation”, há quem o considere um escritor “beat” honorário.

E, tal como a paródia de Woody Allen no seu filme mais recente, “Hollywood Ending”, a sua obra teve mais sucesso na Europa que nos Estados Unidos. “Creio que o público europeu está mais aberto ao jogo e às novas formas de apresentação. Aqui nos Estados Unidos é preferível uma literatura mais segura e limpa. Aqui as pessoas não querem ser abanadas nem acordadas. Preferem dormir durante as suas vidas. Para eles, o que é seguro e velho parece bom.”

Até à data da sua morte, em 1994, Bukowski publicou mais de 60 volumes, que foram traduzidos para diversas línguas europeias. Em 1984, três livros do autor estavam no top dos mais vendidos no Brasil e, na Alemanha, país onde nasceu, a sua obra vendeu mais de três milhões de exemplares.

Não obstante o seu êxito na Europa, Los Angeles é, para o escritor, a melhor cidade do universo, como refere em “Notes of a Dirty Old Man”. Foi nessa “cidade dos anjos” que passou a maior parte da sua vida. É aí que as mulheres de Henry Chinaski vão ter, desfilando através da existência de um homem que não concebe viver sem elas.