GALERIA

 

 

A cavalo entre a mão e a memória

Nasce em São João do Peso, Castelo Branco (1925), mas foi já no Liceu Camões que estudou, na Lisboa que elegeu como seu território, de Arroios ao Cais do Sodré. Estuda Matemáticas Superiores mas é com as palavras que publica em jornais e revistas que começa a construir uma possibilidade de profissão. Passa pela Marinha Mercante, antes de publicar, em edição de autor, “Os Caminheiros e Outros Contos” (1949), numa altura em que traduz (Arthur Miller), integra e chefia redacções (“Eva”), anos antes de dirigir editoras (“Edições Artísticas Fólio”), fundar revistas (“Almanaque”) e passar por Paris ou Brasil, em breves exílios. Pelo meio livros, muitos livros, mais não porque se assumia como escritor bissexto, daqueles para quem a escrita é uma luta diária. Contos, teatro, romance, ensaios, Londres, Lisboa, mais livros, alguns prémios, mais livros e mais prémios. O primeiro acidente vascular cerebral (1995) leva-o numa viagem de ida e volta. Ao regressar mergulha num relato dessa viagem (“De Profundis, Valsa Lenta”), através da perda e da recuperação da memória, ferramenta insubstituível do escritor que nunca deixou de ser. Escrever, dizia, “um trabalho de mão e de memória, prazer solitário entre quatro margens brancas de papel”. E mesmo bissexto, foi operário da escrita, entre o prazer e a dor, a mão e a memória, a língua manobrada a ponto de poder ser esquecida e magicamente corrompida. O segundo acidente vascular cerebral (1998) revela-se viagem só de ida. Entre um e outro recebeu prémios, deu-nos essa valsa única e partilhou connosco “vozes, olhares, memorações” de um “Lisboa, Livro de Bordo”. Guia do seu território, por excelência, do resultado do duro ofício, repleto de dureza e potencial de prazer que entendia ser a escrita.