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Como nasceu, afinal, aquele que é para muitos o Império Romano dos nossos tempos?

Gore Vidal já o disse, sempre que lho perguntaram, que o seu primeiro romance político, “Washington D.C.”, nasceu, em 1967, “por acidente” — ou seja, sem nenhum propósito particular. Sem ele mesmo se aperceber disso, começaria assim aquilo a que a “New York Times Review of Books” baptizou, já lá vão bastantes anos, como as “Crónicas Americanas”, dizendo de caminho que ele é o mestre absoluto do género.

A seguir a “Washington D.C.”, Vidal escreveu “Burr”, “Lincoln”, “1876”, “Império”, “Hollywood” e “A Idade de Ouro”. São estes os títulos dessas “Crónicas”, uma série que não é série. Todos os romances são independentes uns dos outros e, ao mesmo tempo, todos eles se completam (o primeiro e o último decorrem aliás no mesmo período, entre a génese e o pós-Segunda Guerra Mundial, mas com personagens diferentes).

“Império”, o nosso livro de amanhã, é aquele onde, na viragem do século XIX para o XX, os Estados Unidos da América se debatem com a questão crucial para o futuro do país e do mundo: ser ou não ser o Império dominante que se substitui ao Britânico, já a dar indisfarçáveis sinais de decadência? Sabemos que a resposta foi “sim, vamos ser um Império”, e através deste romance Gore Vidal leva-nos pelos meandros de como "o fardo do homem branco" passou dos ombros britânicos para os norte-americanos.
Há duas personagens centrais que são fictícias, os meio-irmãos Caroline e Blaise Sanford. Todos os restantes actores são os reais. Para Gore Vidal, esta é uma lição de História que “o sistema” americano não se atreve a ensinar aos seus estudantes, porque prefere, em todas as circunstâncias, “lavar-lhes o cérebro”, esconder-lhes “a verdade sobre quem os governa”.
Já agora, para Vidal, quem governa os Estados Unidos são as grandes corporações, de quem o poder político, a começar pelo Presidente e pelos partidos, são meros executores. Como se sabe, na vida política maioritária nos Estados Unidos, não existe aquilo a que na Europa se chama “esquerda”. Vidal e outras vozes radicais que, como ele, raramente têm voz na imprensa norte-americana, seriam essa esquerda. Em relação a “Império”, esta definição é importante no sentido em que o romance é escrito com o grande humor e a grande ironia de alguém que tem a certeza de estar a narrar a História Verdadeira.

Dito isto, é fundamental sublinhar que essa narrativa tem uma enorme qualidade literária. “Prodigioso” foi um adjectivo comum da crítica para definir as “Crónicas”. E “didáctico” foi outro. Por “Império” passam figuras da História dos Estados Unidos como os Presidentes McKinley e Theodore Roosevelt, como John Adams e John Hay; como o magnata da imprensa William Randolph Hearst, como o escritor britânico Henry James. Passa toda a promiscuidade entre dinheiro e política. Passam todos os bem intencionados, todos os corruptos, todos os fazedores de políticos e de presidentes. Passa tudo aquilo com que se constroem, e mantêm, os impérios.