“As
Horas”, de Michael Cunningham,
na Colecção Mil Folhas
Por Alexandra Lucas Coelho
É um dos romances americanos mais
premiados dos últimos anos. Partiu do universo de Virginia
Woolf.
Michael Cunningham recorda-se de ser
um adolescente charrado na Califórnia dos anos 60 quando
leu “Mrs. Dalloway” de Virginia Woolf, ao som
da guitarra de Jimi Hendrix.
Era amor, achava ele. Amor a uma inesquecível
colega de liceu que um dia lhe perguntara à queima-roupa
se ele não achava a prosa de Woolf fantástica.
Sim, sim, respondera, atarantado, antes de correr para a biblioteca
da escola à procura da tal Virginia.
Trinta anos depois, Cunningham publicou o romance
“As Horas”. Ganhou o Pulitzer, o Pen/Faulkner,
uns tantos prémios mais. Era o seu quarto romance,
foi traduzido por todo o mundo.
“As Horas” — título
provisório que Virginia Woolf deu a “Mrs. Dalloway”,
em 1923 — é, de alguma forma, o resultado da
paixão de Cunningham pelo universo de Woolf, desde
essa tarde de charros ao som de Jimi Hendrix.
Passa-se num único dia de Junho em três
tempos e três espaços: Nova Iorque, na actualidade,
arredores de Londres, 1923, Los Angeles, 1949. Cada tempo-espaço
corresponde a uma protagonista: em Nova Iorque, Clarissa (como
Clarissa Dalloway); em Londres, a própria Virginia
Woolf; em Los Angeles, Laura Brown, uma dona de casa que aluga
um quarto para ler “Mrs. Dalloway”.
O trio feminino de “As Horas” é
pois composto por quem protagoniza, quem escreve e quem lê
“Mrs. Dalloway”.
Antes de entrarmos na alternância destas
três narrativas há um prólogo que conta
a caminhada para a morte de Virginia Woolf, até entrar
no rio, com os bolsos cheios de pedras.
Mas “As Horas” não se resume
a ser homenagem ou tentativa de reescrita de “Mrs. Dalloway”.
É Manhattan na actualidade, com as suas estrelas ascendentes
e cadentes, com patins e “piercings” e hetero-bi-homossexuais.
É a Los Angeles do pós-II Guerra vivido pela
mãe de Cunnigham — que inspirou Laura Brown,
a mais poderosa personagem do livro. É o universo criado
por Michael Cunningham. |