19-03-2004 Foi há 75 anos, feitos no passado mês de Janeiro, que o repórter partiu para a Rússia dos Sovietes. Quando voltou, foi recebido em triunfo Ao ler as primeiras tiras, Tintim aparece como um escuteiro pesadão e bastante ridículo, travestido de repórter. É uma criatura agressiva e mesmo truculenta. Ou seja, sem nenhuma das qualidades que associamos à ideia e à imagem de um grande herói. As peripécias sucedem-se, os acontecimentos enlaçam-se uns nos outros de forma quase vertiginosa e quando a aventura chega ao fim, 138 pranchas mais tarde, deparamo-nos com outro Tintim, mais humano, que é recebido apoteoticamente em Bruxelas. “Tintim no País dos Sovietes”, o álbum que amanhã será distribuído com o PÚBLICO, é a aventura fundadora da série. O seu autor, Hergé, aproveitaria da melhor forma a oportunidade que o director do jornal “Le Vingtième Siècle” lhe deu para criar um personagem à medida dos jovens leitores. Tintim faz a sua aparição nas páginas do suplemento juvenil daquele diário de Bruxelas (“Le Petit Vingtième”), a 10 de Janeiro de 1929, partindo de imediato para o país dos Sovietes. Mas porquê este destino e não outro qualquer? A resposta tem de ser encontrada não apenas no ambiente do jornal, cuja linha editorial é ferozmente anticomunista, mas também no sentimento dominante na época nos países da Europa em relação ao rumo da União Soviética depois da revolução bolchevista de 1917. Ao contrário do que faria anos depois em relação a outras aventuras do seu herói, Hergé nem sequer pensou em sair de Bruxelas para se documentar nos locais. Aliás, como a documentação disponível na época era muito escassa, o desenhador baseia-se exclusivamente no livro “Moscou sans Voiles”, publicado em 1928 por Joseph Douillet, ex-cônsul da Bélgica em Rostov. Sem a menor distanciação relativamente ao que é descrito nessa obra, o desenhador belga chega a transpor literalmente algumas sequências, como é o caso das eleições falseadas para um soviete local. Esta é a única aventura de Tintim em que Hergé nunca mais mexeu. Por isso, chegou até aos nossos dias no formato original, a preto e branco e sem qualquer reformulação ou corte na narrativa. Obviamente datado, “Tintim no País dos Sovietes” está muito longe de ser a melhor história do personagem. Todavia, na sua tocante singeleza, constitui um belíssimo testemunho do esforço criativo desenvolvido por Hergé nos seus primeiros passos como autor de bandas desenhadas. Influenciado pelos “comics” norte-americanos, o autor aplica-se a dar forma a uma nova linguagem narrativa, nomeadamente integrando os diálogos no desenho e não, como era recorrente na época, com textos por baixo das imagens. Os cinco mil exemplares da primeira edição desta aventura em álbum tornaram-se rapidamente preciosidades, pois Hergé nunca mais autorizou a reedição da obra. Uma edição restrita de 800 exemplares numerados viu a luz do dia em 1969, por ocasião do 40º aniversário da série. E em 1973 saiu de novo, integrada num volume dos “Archives Hergé”. Nada disso desencorajou o aparecimento de numerosas edições-pirata. O autor acabaria por se render à evidência, autorizando a publicação em fac-símile de “Tintim no País dos Sovietes”, em 1981. É essa edição que amanhã estará nas bancas. |