12-02-2004
“O Templo do Sol”

É no dia 26 de Setembro de 1946 que os admiradores de Tintim podem começar a desvendar o mistério das bolas de cristal e do desaparecimento do professor Girassol. Mais de dois anos após a interrupção da história, quando Bruxelas foi libertada do jugo nazi e o jornal "Le Soir" suspendeu a publicação (era aí que Hergé trabalhava na altura), a aventura continua, mas agora nas páginas de uma nova publicação, a revista "Tintin".

Pela primeira vez na sua já longa carreira, o artista belga dispõe de condições de trabalho à altura do seu incontestável talento: papel de qualidade, boa selecção de cores, dimensão apreciável das imagens e, acima de tudo, o plano central da revista (duas páginas), que será ocupado durante 75 semanas pelo enredo de "O Tempo do Sol", aventura que amanhã será distribuída com o PÚBLICO.

A narrativa começa exactamente no ponto em que fora suspensa no final da guerra, mas Hergé começa por fazer um resumo do que já aconteceu até ao momento, graças a um extenso recorte de imprensa. Desta forma, o leitor que só agora trava contacto com a história passa a dispor dos elementos de compreensão indispensáveis. Para os outros, é uma excelente maneira de rememorar os eventos já decorridos, entrando de imediato na deambulação andina de Tintim e Haddock em demanda do professor Girassol, raptado pelos descendentes dos incas.

Dos inúmeros episódios em que os personagens se vêem envolvidos na floresta peruana, nem todos serão retomados na posterior edição em álbum, dadas as limitações de páginas impostas por esse formato. Além disso, é o próprio Hergé quem impõe substanciais transformações nessa primeira versão, onde cada prancha estava estruturada em três longas tiras horizontais que ocupavam a totalidade da dupla página, a que o autor acrescentou um rodapé informativo sobre a civilização pré-colombiana dos Andes (geografia, história e religião). Com efeito, a passagem para a estrutura que hoje conhecemos - quatro tiras por prancha - obrigou nomeadamente a suprimir imagens e a reenquadrar outras, para obter a fórmula final constante do álbum que amanhã poderá ser adquirido.

Esta é uma das aventuras de Tintim em que o desenhador belga mais investiu do ponto de vista documental. Os mais ínfimos pormenores foram objecto de aturadas pesquisas, para que nada manchasse a obsessão de rigor que atravessa toda a história. Mesmo considerando que o herói faz batota com um eclipse iminente para retirar os seus amigos de uma situação muito difícil, a construção gráfica de "O Tempo do Sol" - servida por um argumento muito engenhoso - coloca esta BD num lugar à parte na galeria das histórias de Tintim. É possivelmente por causa disso que, anos mais tarde, será escolhida para transposição para o cinema de animação, constituindo o ponto de partida de uma longa-metragem com o mesmo nome.