05-02-2004
“As 7 Bolas de Cristal” é a aventura de Tintim distribuída com o PÚBLICO
Por Carlos Pessoa

Uma terrível maldição abate-se sobre sete cientistas e ameaça também Girassol. Tintim intervém, mas conseguirá desvendar os mistérios em torno dos achados arqueológicos incas? A Segunda Guerra Mundial prossegue em todas as frentes quando começa nas páginas do diário “Le Soir” (Bruxelas) mais uma aventura de Tintim — “As 7 Bolas de Cristal”, que amanhã será distribuída com o PÚBLICO.

Nesta primeira parte da aventura andina do herói, a figura central (e omnipresente, embora só surgindo a espaços) é a múmia de Rascar Capac, um inca cujo túmulo acaba de ser descoberto no Peru por uma expedição de sete arqueólogos europeus. Desde as primeiras imagens que Hergé faz mergulhar os seus leitores numa atmosfera fantástica, cujos contornos e características são especialmente angustiantes. De facto, o artista belga retoma nesta banda desenhada um tema que já tinha estado no centro das suas atenções em “Os Charutos do Faraó” — o da maldição que se abate sobre quem ousa manipular (ou, pelo menos, invocar) forças sobrenaturais. Desta vez, porém, Hergé vai acrescentar um outro elemento essencial que, de forma muito nítida, já tinha explorado em “A Estrela Misteriosa”: o medo.

Tudo somado, aquilo que vai exalando desta BD ao longo das suas pranchas é um ambiente opressivo e asfixiante, que funciona como uma espécie de pano de fundo para o desenvolvimento de uma narrativa de fazer perder o fôlego e que, ao mesmo tempo, representa a mais profunda incursão do autor — até àquele momento — na via do fantástico. Basta pensar, por exemplo, na multiplicação de advertências logo nas pranchas iniciais, criando uma atmosfera propiciatória à sucessão de atentados que vitimam todos os elementos da expedição. A culminar esta fase dramática da aventura, refira-se a notável sequência na vivenda do professor Bergamotte, no decorrer da qual também ele vai tombar sob os efeitos de mais uma misteriosa bola de cristal. Tintim e Haddock assistem, impotentes, a este desenlace inexorável que, por uma vez, põe bem em evidência a dimensão absolutamente humana da sua condição de heróis.

Curiosamente, é com a feitura desta BD que se inicia uma estreita e profícua colaboração entre Hergé e Edgar Pierre Jacobs (o futuro criador da série Blake e Mortimer). Uma das áreas em que Jacobs vai imprimir a sua marca original é, precisamente, a da construção de atmosferas como a que de forma tão visível atravessa “As 7 Bolas de Cristal”.

As atribulações de Tintim nesta história vão a par das que marcam a primeira publicação da própria banda desenhada. Tendo surgido nas páginas do “Le Soir” a partir de 16 de Dezembro de 1943, a história prossegue sem problemas até 2 de Setembro do ano seguinte, data da libertação de Bruxelas do jugo hitleriano. À entrada dos Aliados na cidade sucede-se o encerramento do jornal, que durante todo o conflito teve uma filosofia editorial colaboracionista. Por isso, os leitores terão de aguardar mais de dois anos para saber — na revista “Tintin”, lançada em 1946 — como prossegue e acaba esta história. Os leitores do PÚBLICO só terão de esperar até à próxima semana, quando for publicado “O Templo do Sol”, segunda parte desta BD.