22-01-2004
“Tintim no País do Ouro Negro”
Por Carlos Pessoa

O começo e o fim da história estão separados por mais de uma década, durante a qual o mundo viveu a Segunda Guerra Mundial. A versão definitiva é dos anos 60.

Muitas são as histórias de Tintim que sofreram transformações mais ou menos significativas. Mas “Tintim no País do Ouro Negro”, o álbum que amanhã será posto à venda com o PÚBLICO, bate todos os recordes.

O regresso do herói ao Médio Oriente tem início no dia 25 de Setembro de 1939, no “Le Petit Vingtième”. As nuvens sombrias que pairavam sobre os destinos da Europa à data da publicação da aventura anterior, “O Ceptro de Ottokar”, transformaram-se em acesa borrasca. Ou seja, a guerra tornara-se uma realidade e o estatuto de neutralidade que a Bélgica reivindicou para si não pôs o país a coberto das consequências do conflito. Em 8 de Maio de 1940, o “Vingtième Siècle” interrompe abruptamente a publicação, arrastando consigo o suplemento onde as histórias de Tintim eram inseridas. A acção de “Tintim no País do Ouro Negro” pára na página 56, correspondente à página 26 da actual versão.

Durante os anos seguintes, Hergé concentra as suas atenções em outros projectos, a começar por “O Caranguejo das Tenazes de Ouro”, que surge alguns meses mais tarde no jornal “Le Soir”. Decorrem assim mais de oito anos antes que o criador belga decida retomar a história, desta vez nas páginas da revista “Tintin”, criada por si e alguns amigos, em 1946, após o fim das hostilidades.

Ao pegar na história, Hergé apercebe-se de imediato que se impõem alterações, pois os anos entretanto passados viram chegar à série personagens novos, como o capitão Haddock, Girassol e o próprio castelo de Moulinsart. Para os integrar sem conflito no espírito da aventura, o autor decide “mobilizar” Haddock, que desaparece logo nas primeiras páginas e só volta a ser visto quase no fim. O fino sentido de humor do artista é posto uma vez mais em evidência, pois Hergé decide esclarecer através do próprio capitão o bizarro eclipse de um dos personagens fulcrais da série: é em vão que, ao longo das últimas pranchas, Haddock tenta relatar “o que é uma coisa ao mesmo tempo muito simples e muito complicada”. Os leitores não chegarão a saber pela boca do marinheiro as razões que o afastaram da narrativa…

As atribulações desta banda desenhada não acabam aqui. Nos anos 60, a pedido do seu editor inglês, Hergé reformula “Tintim no País do Ouro Negro”, eliminando elementos considerados muito datados — em particular, os uniformes — e simplificando a própria narrativa. Bob de Moor, o seu incansável colaborador, deslocar-seá ao porto de Antuérpia para recolher elementos de um petroleiro dos anos 40 que servirá de modelo ao “Speedol Star” da aventura.

Desse esforço resultará a versão definitiva que é distribuída amanhã. O doutor Müller, ausente desde “A Ilha Negra”, está de regresso com o pseudónimo de professor Smith. Para variar, os Dupond(t) fazem das suas e assiste-se à aparição de uma dupla deliciosa — o emir Ben Kalish e o seu endiabrado filho Abdallah. Este é uma fonte inesgotável de “gags” que põem Haddock à beira de um ataque de nervos e fazem mesmo perder a paciência a Tintim. Um e outro voltarão a ser confrontados mais tarde, para desespero próprio, com as diabruras do “querido passarinho das ilhas”…