A "arma absoluta" criada pelo professor Girassol é o fio condutor da aventura de Tintim que amanhã será distribuída com o PÚBLICO. Arma tão mortífera que relegará a bomba A e a bomba H para o caixote do lixo da história, ela vai suscitar o mais vivo interesse da Bordúria, o país imaginário onde o herói de Hergé já esteve noutra ocasião ("O Ceptro de Ottokar").

É verdade que muita água passou desde então debaixo das pontes, mas nada de fundamental mudou na natureza musculada do regime totalitário que domina o país. À sua frente está Pleksy-Gladz, cujos bigodes fazem de imediato pensar em Estaline. Se referirmos que esta banda desenhada foi publicada na edição belga da revista "Tintin" entre Dezembro de 1954 e Fevereiro de 1956, os leitores compreenderão facilmente que o ambiente de "guerra fria" instalado entre os blocos soviético e americano fornece todos os elementos inspiradores do afrontamento Bordúria-Sildávia nesta história.

Notável metáfora sobre um dos mais marcantes combates político-ideológicos do século XX, "O Caso Girassol" conclui-se com uma mensagem de esperança: ao contrário do que aconteceu na realidade histórica, o cientista prefere, no final da aventura, eliminar os microfilmes onde se encontram os principais elementos da sua descoberta - mesmo se alguém tem de pagar um preço elevado por isso, na circunstância o capitão Haddock, que vê arder uma parte da sua barba...

Nesta história surge pela primeira vez Serafim Lampião, mais um dos fantásticos personagens secundários com que Hergé enriquece a galeria da série. Entre todas as figuras saídas da sua imaginação, esta é porventura a mais realista e contemporânea, dando corpo ao arquétipo do homem vulgar e atrevidote, que se exprime por lugares-comuns e irradia uma auto-suficiência e felicidade radicalmente gregárias. Na sua primeira aparição, ele é, aliás, um dos elementos catalisadores do arranque espectacular da aventura, associando o seu perfil de vendedor "fala-barato" de seguros a um autêntico fogo-de-artifício que inclui chamadas telefónicas erradas, explosões e outras anomalias inquietantes.

Passada esta sucessão de perturbações, o enredo de "O Caso Girassol" mergulha a fundo na atmosfera de romance de espionagem que o caracteriza até ao fim. Nesse contexto, Tintim viaja até à Suíça, deslocando-se nomeadamente a Genebra. Esta sequência da história proporcionou a Hergé a oportunidade de realizar um trabalho de campo sistemático destinado a conferir verosimilhança à narrativa. Com uma máquina fotográfica ao ombro e um caderno de esboços debaixo do braço, o artista belga regista o Hotel Cornavin, a estrada de Cervens e a cidade de Nyon, resultando de todo este labor um efeito hiper-realista que constitui um traço inédito na sua obra. Todos estes atributos e características fazem deste álbum um dos mais apreciados da série com as aventuras de Tintim, considerado por muitos a obra-prima de Hergé.