18-12-2003
Curare Um veneno com aplicação médica
Por Teresa Firmino

No álbum de Tintim hoje distribuído com o PÚBLICO é referido um veneno que existe para lá da ficção. Pode matar mas também curar

No álbum “A Orelha Quebrada”, distribuído com o PÚBLICO a história é contada assim: a estatueta de uma tribo da América do Sul é roubada de um museu etnográfico e Tintim, mais detective que repórter, fica logo à coca. Encontra um livro de relatos de viagens às Américas, de 1875, que fala da tribo em questão, a Arumbaya, e onde lê: “Nesse dia encontrámos os primeiros Arumbayas. Longas cabeleiras, negras e oleosas, enquadravam as suas faces acobreadas; armados com longas zarabatanas, lançam pequenas flechas envenenadas com curare.” Nem a tribo nem o livro existem, embora o texto imite o estilo dos relatos da época. O mesmo não pode dizer-se do curare. Existe e pode matar. “O curare, esse terrível veneno vegetal que paralisa os músculos respiratórios!”, diz Tintim, no álbum “A Orelha Quebrada”.

O mundo ouviu falar do curare há quase 500 anos, quando chegaram à América do Sul os primeiros exploradores. Quem o terá trazido para a Europa, em 1595, foi o explorador inglês Walter Raleigh, depois de ter visto que os índios da América do Sul o usavam na ponta das setas para caçar e guerrear. Mas só em 1807, ao que parece, um ocidental testemunhou o fabrico do curare pelos índios: foi outro grande explorador, o geógrafo alemão Alexander von Humboldt.

O curare é extraído de algumas espécies de lianas pelos índios que vivem no Brasil, Bolívia, Peru, nas Guianas, Equador, Panamá e Colômbia. As espécies mais usadas são a “Strychnos toxifera”, a “Strychnos guianensis” e a “Chondrodendron tomentosum”, às quais é retirada a casca castanha para fazer o curare. Na casca existem numerosos alcalóides, uns muito tóxicos, como a tubocurarina, a protocurarina e a toxiferina, e outros menos tóxicos, como a curina, a protocurina e a protocuridina e a neoprotocuridina.

Cada tribo tem as suas receitas para o curare, embora se possa dizer, de forma geral, que se põe a casca das lianas a ferver em água, até obter uma pasta escura. Por vezes, também se junta veneno de insectos e serpentes, para aumentar o poder do curare.

O curare paralisa os músculos através da interferência com a transmissão dos sinais nervosos para os músculos, mas não afecta o coração. A vítima morre por asfixia, porque os músculos envolvidos na respiração ficam relaxados e depois paralisados. O horror desta morte é a vítima saber o que vai acontecer e não poder fazer nada. Se for assistida com respiração artificial, consegue recuperar.

Mas este veneno vegetal também tem usos médicos. É utilizado como relaxante muscular em cirurgias em que o doente tem de estar completamente imobilizado, como nas operações ao abdómen, ou em situações crónicas, como espasmos.

A primeira aplicação médica conhecida do curare data de 1912, pelo cirurgião alemão Arthur Laewen, e tornou-se comum depois dos ensaios clínicos de Harold Griffith e Enid Johnson, em 1942, no Canadá.