28-11-2003 O bandido Rastapopoulus rapta o multimilionário Laszlo Carreidas e, como não podia deixar de ser, Tintim e os amigos são apanhados no meio da aventura “Voo 714 para Sydney”. O fito é obrigar o multimilionário a revelar o número da sua conta bancária na Suíça, com mais de dois milhões de dólares, porque cópias da assinatura e o nome do banco já Rastapopoulus tem. Nada melhor do que pôr o doutor Krollspell a aplicar a Carreidas uma injecção do soro da verdade. Mas os efeitos não são os pretendidos. “12-9-19-03?... É este, de certeza, o número da sua conta bancária?”, diz Rastapopoulus. “Conta bancária? Não, não, não; um lugar de frutas e legumes. Foi da montra dessa loja, a 12 de Setembro de 1903 — tinha eu quatro anos — que roubei pela primeira vez na minha vida: foi uma pêra. Lembro-me como se fosse ontem”, responde Carreidas. “Seis meses mais tarde roubei um anel à minha mãe. E deixei-a acusar Odília, a criada”, prossegue a narração de inutilidades. “Na verdade, desde a mais tenra infância nunca deixei de fazer mal ao próximo.” “Pronto, agora adormeceu! Ah!, é um êxito o seu soro, doutor Krollspell, é um êxito espantoso!”, ironiza Rastapopoulus. Os efeitos do soro da verdade em Carreidas não andam longe da realidade. Não existe propriamente um soro que leve as pessoas a resistir menos a um interrogatório e a dizer a verdade. Por exemplo, a CIA testou nos anos 50 e 60 (também foi nesta última década que o álbum foi publicado) algumas substâncias com efeito hipnótico, entre elas o amital sódico, mas não funcionavam lá muito bem. Outras substâncias — como o pentotal sódico, que é fabricado pelos Laboratórios Abbot e usado como anestésico nos hospitais — foram testadas na esperança de levar os suspeitos a serem incapazes de contar mentiras. A ideia era desenvolver uma droga que baixasse as defesas psicológicas de espiões inimigos e prisioneiros de guerra, causando-lhes, a princípio, um efeito sedativo e depois de anestesia e redução das inibições, tornando- os mais faladores. Mas, normalmente, as “confissões” não passavam de um chorrilho de disparates. Era como se embebedássemos um amigo para lhe arrancar coisas que nunca diria sóbrio. Sob o efeito dessas drogas, algumas pessoas podem apresentar como factos desejos reprimidos ou sonhos, por isso não são tidas como adequadas para obter uma confissão verdadeira. Em 1963, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos disse que as confissões induzidas através do soro da verdade eram uma forma de tortura e considerou essa prática inconstitucional, na sequência do caso de um homem da Florida que confessou um homicídio. Teve, assim, direito a uma audiência para determinar se as drogas da verdade lhe teriam sido administradas, mas nunca se chegou a uma conclusão. Em 1995 e 1999, as Nações Unidas investigaram o uso alegado destas substâncias em França e nas Filipinas, mas também não chegaram conclusão nenhuma — e consideraram essa prática como tortura, porque há um abuso físico para extrair informação. O ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001
voltaram trazer a questão do uso de soros da verdade nos prisioneiros suspeitos
de serem da Al-Qaeda mantidos pelos EUA na Base de Guantanamo, em Cuba.
William Webster, que foi director do FBI (de 1978 a 1987) e da CIA
(de 1987 a 1991), defendeu o uso de soros da verdade para se obter
mais informações sobre as operações terroristas.
Essas confissões, porém, arriscavam-se a não ter
valor em tribunal. |