21-11-2003
Ópio, uma droga que esteve na origem de uma guerra

Teresa Firmino

Tintim é apanhado no meio de uma guerra entre os Filhos do Dragão, uma sociedade secreta chinesa que luta contra o ópio, e traficantes desta droga. Visita mesmo o Lótus Azul, uma casa onde se fuma ópio em Xangai e que dá o nome a este álbum, e lá encontra consumidores espalhados pelo chão a inalar o fumo. Mas, tal como Tintim é apanhado nesta guerra, a China e a Grã-Bretanha guerrearam-se, entre 1839 e 1842, por causa do ópio. A China perdeu e teve de ceder Hong Kong, que ficou sob administração britânica até Julho de 1997.

Os ingleses cultivavam ópio na Índia e vendiam-no em grandes quantidades na China, através da Companhia Britânica das Índias Orientais. Mas, como o consumo de ópio alastrava como uma epidemia, o governo imperial chinês proibiu o seu comércio e combatia o tráfico ilegal. Em 1839, mandou queimar, em Cantão, 20 mil caixas de ópio apreendidas a traficantes ingleses. A Grã-Bretanha enviou navios de guerra e ocupou Xangai.

Perante o poderio inglês, a China foi forçada a assinar o Tratado de Nanquim (por sinal, há uma referência a esta cidade neste álbum), segundo o qual teve de pagar uma indemnização pelo ópio destruído, abrir cinco portos para comércio e ceder Hong Kong aos britânicos. A Guerra do Ópio chegou ao fim. Mas devido à liberalização do ópio na China, em 1900 metade da população adulta masculina era viciada.

O ópio extrai-se da papoila “Papaver somniferum”, de um suco branco produzido na cápsula verde que protege as sementes. Em bruto, na forma de barras castanhas ou reduzido a pó, pode ser aquecido e produzir um vapor amarelo, que é inalado. O consumidor mergulha no mundo relaxado de sonhos fantásticos, que dura três a quatro horas, mas arrisca-se a ficar dependente.

Do ópio pode produzir-se morfina, que continua hoje a usar-se no combate à dor, em doentes oncológicos ou nas crianças. E a partir da morfina produz-se a codeína, um dos actuais componentes dos medicamentos contra a tosse, e a heroína. É legal produzir a papoila para obter matériaprima para os laboratórios farmacêuticos. O problema são as plantações destinadas ao comércio ilegal de ópio e heroína.

Por sinal, faz este ano 200 anos que a morfina, o principal alcalóide do ópio, que contém cerca de 50, foi isolada pela primeira vez pelo farmacêutico alemão Wilhelm Sertürner. Chamou-lhe morfina, inspirando- se no nome de Morfeu, o deus grego do sono e dos sonhos.

Cedo foi usada para fins médicos na Europa e nos EUA, combatendo a dor, incluindo as menstruais, as diarreias ou a tosse, mas no final do século XIX a dependência tornou-se um problema. Em 1898, enquanto procurava um substituto da morfina que não causasse habituação, Heinrick Dresser, do laboratório alemão Bayer, desenvolveu a diacetilmorfina. Recebeu o nome de heroína: por ser dez vezes mais potente que a morfina, a sua potência era considerada heróica.

Mas a heroína viciava muito mais que a morfina. Em 1912, um tratado punha fim ao comércio de ópio, a que se seguiram restrições específicas em cada país ao uso de opiáceos e a proibição da heroína.