14-11-2003
O que disse Hergé sobre "Os Charutors do Faraó"

("Entretiens avec Hergé", de Numa Sadoul, Éditions Casterman)

- Eu queria envolver-me no mistério, no romance policial, no "suspense" e tanto me enredei nos meus enigmas que quase não consegui sair deles! Foi nesta altura que o "Le Petit Vingtième" começou a publicar um jogo-inquérito paralelamente às minhas histórias: os leitores deviam descobrir os enigmas colocados por Tintim. E se isso me dava ideias, permitia-me igualmente desconcertar o leitor.

Assistimos ao nascimento dos detectives X 33 e X 33-bis...

- ... Que se tornarão a seguir Dupont e Dupond. Respeitei a tradição que determinava que os polícias fossem apresentados com chapéu de coco e sapatos com tachas. Há alguns anos um leitor enviou-me a capa de um semanário parisiense, o "Le Miroir", de 1919, onde se reproduzia a foto de dois polícias verdadeiros que pareciam decalcados dos Dupond(t). É muito curioso!...

(...) No princípio, os Dupond(t) não eram personagens de primeiro plano, mas sobretudo estereótipos que não chamavam a atenção dos leitores. Mas a pouco e pouco tornaram-se criaturas extraordinárias. Como é que lhe surgiu a ideia dos detectives gémeos?

- Já não me lembro. O meu pai teve um irmão gémeo que faleceu três ou quatro anos antes dele. E vestiram-se sempre de forma idêntica até ao fim da vida. Se o meu pai tinha uma bengala, o meu tio ia logo comprar uma; o meu pai adquiria um chapéu de feltro e o meu tio ia de imediato arranjar um! Usaram ambos bigode e chapéu de coco e ficaram carecas na mesma altura... O mais curioso é que nem por um segundo pensei neles quando criei os Dupond(t), mas o encontro continua a ser muito estranho. Jacques Martin [criador de Alix] conta uma história divertida a este respeito: ele tinha pedido a um ferro-velho que ficasse com uma pilha de exemplares antigos da revista "Tintin". O bom homem, com forte sotaque de Bruxelas, exclamou: "Ah!, são revistas 'Tintin'... Eu conheço dois que fazem de Dupond(t)!...'. "Como é isso?", exclamou Martin. "Sim, vivem em frente de mim!" Eram o meu pai e o meu tio: eles "faziam" de Dupond(t)!... De facto, todas as manhãs de domingo, com os seus chapéus de coco ou de feltro, as suas bengalas ou chapéus de chuva, consoante a estação, iam juntos dar um pequeno passeio... e "faziam" de Dupond(t)! Acho isto magnífico!... Na realidade, esta expressão belga está carregada de significado: eles fazem de Dupond(t)! O que significa isso: fingem ser os Dupond(t)? Desempenham o papel dos Dupond(t)? Ou, pelo contrário, servem de modelo inspirador para os Dupond(t)?...