13-11-2003
"Os Charutos do Faraó" nono álbum de Tintim

Carlos Pessoa

A “maldição” do faraó Tutankhamon constitui o ponto de partida desta viagem para Oriente em que aparecem pela primeira vez os Dupond(t), o malfeitor Rastapopoulos e o comerciante português

Em Novembro de 1922, a equipa de Howard Carter encontra o túmulo do jovem faraó Tutankhamon. É uma das mais fantásticas descobertas arqueológicas de todos os tempos, mas os seus autores nada beneficiarão disso, pois morrem nos meses seguintes, uns após outros, com uma misteriosa doença que nunca foi possível identificar.

Esta sucessão de eventos marcou as agendas da imprensa da época e provocou debates e polémicas quase intermináveis. Hergé, como muitos outros, ficou vivamente impressionado com o que se disse e escreveu e, por isso, não surpreende por aí além que, dez anos mais tarde, o seu jovem repórter caminhe para o Oriente: intitulada na altura “Aventuras de Tintim, Repórter no Oriente”, a banda desenhada “Os Charutos do Faraó” começou a ser publicada nas páginas do “Le Petit Vingtième” no dia 8 de Dezembro de 1932, prolongando-se até 8 de Fevereiro de 1934. E como o herói tinha estado na Rússia, Congo e América do Norte nas três primeiras aventuras da série, a decisão torna também possível concretizar o projecto inicial de levar Tintim a todos os quadrantes do mundo.

Uma leitura atenta permite, porém, apreender algo de novo nesta história. À continuação do inventário geográfico por Tintim, Hergé acrescenta elementos de mistério — o ponto de partida temático propiciava-o fortemente —, repartidos entre o fantástico e o policial. Além disso, a história é de alguma forma “interactiva”: uma rubrica semanal de perguntas e respostas sobre a série, no “Le Petit Vingtième”, intitulada “O Mistério Tintim”, dá ao autor inúmeras “dicas” e sugestões para a continuação da história, além de contribuir para uma mais ampla difusão do universo da própria banda desenhada.

O Egipto e as culturas locais até à Índia são simultaneamente o ponto de partida e o pano de fundo de “Os Charutos do Faraó”. Mas o autor agulha rapidamente para um tema específico e central em toda a narrativa — os vários tráficos com que Tintim é confrontado. À droga acrescenta-se logo a seguir o comércio clandestino de armas, praticado na época por aventureiros sem escrúpulos.

Um dos mais conhecidos, o francês Henri de Monfreid, será mesmo transposto para dentro da aventura, na pele do capitão do navio que recolhe o herói no momento em que estava prestes a afogar-se. Um dos malfeitores da série, o melífluo Rastapopoulos, surge aqui pela primeira vez. O mesmo acontece com o fabuloso comerciante português Oliveira da Figueira, capaz de vender gelo nos pólos e caloríferos no deserto. Mas é também nesta aventura que irrompem os inenarráveis detectives Dupond e Dupont — na primeira versão da história, a preto e branco, ainda só têm os nomes de código X 33 e X 33-b…

Como em outras histórias, Hergé aproveitou a ocasião de aplicar cor nesta aventura para lhe introduzir algumas alterações. Há duas sequências de Tintim com serpentes que são eliminadas. Por outro lado, põe o xeque Salaam Aleikum a mostrar a Tintim, de quem é grande admirador, um álbum com as suas aventuras. Só que, em vez de um exemplar de “Tintim na América” — como acontecia na primeira versão da BD — mostra-lhe um de “Rumo à Lua”, que só surgiria 20 anos mais tarde… Na misteriosa Índia de grandes ioguis, avatares e outras manifestações do sagrado, e sob a forma de um divertido “gag”, Hergé proporcionava a Tintim um vislumbre do destino que lhe estava reservado pelos deuses.